Quanto à matéria dos sonhos

dezembro 26, 2008

Perco o sono.

Barulho da gata a se lamber.

Procuro outras formas de fugir da consciência alheia.

Mas escrevo.

Deixo a pista que não devia,

para tarde da noite Você me seguir.

(Das orelhas me esqueço sempre que não as ouço).

Aos dentes lanço a maldição

para que durem o tempo suficiente das mordidas.

Deixo aos outros,

de minha descendência,

a herança da eterna dúvida quanto à matéria dos sonhos.

Desde que não pude entender das curvas,

da escrita e das Tuas palavras;

tanto mais me empenhei nos afagos;

mergulhei os abismos além da Tua pele.

Queria extrair a quinta-essência da flor

que nenhuma primavera pariu. 

Em resposta a certeza,

que navegar o Teu mar é perigo.

Feixe do brilho que mora em Você.

A espera do transporte

dezembro 9, 2008

o mais simples

remete ao mais profundo dos signos

desejo que traz consigo a saudade

das tardes quentes de suor

tua cor é minha preferida

vê aquela estrela no céu?

a gente vai se mudar para lá

onde posso sentir eterno o teu perfume intenso

beijar a tua boca vermelha

agora repousa tranqüila com os Anjos

eu aqui a fumar-te

inteira em minha mente

Cabeça de elefante

dezembro 4, 2008

Senhor dos obstáculos, tanto de natureza material quanto de natureza espiritual. Apesar de ser reverenciado como removedor de obstáculos, é também aquele que os coloca no caminho daqueles que precisam ser provados. E dada a característica dual da vida; seu propósito no esquema dos movimentos sagrados consiste na exata disposição e na eliminação das adversidades; este é o meio de sua ação; a razão de sua existência.

 

Diz-se que, nascido de Shiva e Parvati, teve a cabeça decepada por Shiva por causa de seu charme, de sua sensualidade, e por ter se colocado entre Shiva e Parvati. Shiva substituiu então a cabeça original por aquela de um elefante. E deu-lhe a barriga proeminente. Todos os ovos cósmicos – aqueles dos universos do passado, do presente e do futuro – estão nele presentes.

 

Usou o rato como veículo de sua última encarnação. Via de regra o rato é interpretado negativamente; estando associado aos desejos; representa também uma ameaça às plantações e a toda a criação. O que aponta portanto para a necessidade de superarmos os obstáculos da peste; e também à transcendência dos desejos e das aspirações egoísticas. É ainda símbolo de que ele – assim como o rato – tem a capacidade de penetrar os mais secretos e sagrados ambientes.

 

Reside na base, na fundação de cada um de nós – que é onde está a força divina ou criativa. Governa esta força, que faz girar a roda da vida.

 

Patrono das artes, das ciências – e especialmente das letras. Espírito do intelecto e da razão. Seu nome é a composição em sânscrito do termo associado aos grupos, às comunidades e aos sistemas organizacionais; mais o substantivo cujo significado é mestre, ou senhor.

 

Ganesha, o cabeça de elefante.

            (1)

a poesia é sem fim

 

            (10)

deixe suas roupas

esqueça o que Você já sabe

seu medo

jogue-o para o alto

seus pensamentos devem ser colocados no bolso da calça

a calça no cesto

para lavar

erradicar os maus pensamentos

ponha um chapéu à sua frente

sapato à esquerda

Você no meio

agora tome em uma das mãos o Coração

e o que restou

no meio ainda há Você

e a seu lado

tudo pode ser Você

sapato à esquerda

seu medo

jogue-o para o alto

 

            (11)

a cada dia somos

um dia a mais

e um pouco mais

nós mesmos

e disso implica

em zelarmos por isso

para que o que

aqui se processa

seja mais e mais

legítimo e natural

da gente

 

            (100)

o dia ou a hora que for

seja hoje e já

neste momento

que a partir de agora

e intermitentemente

o futuro seja o presente

e o presente seja o passado

do que é agora

que o que ontem foi vá

e amanhã

o que hoje é

seja ontem também

 

            (101)

Vocês que são os atores

do teatro da Vida

a pena de Vocês é grande

como  flores cortadas

em um ramalhete da terra

a Vida não é representação

e o teatro é dos artistas

 

            (110)

contra a estranheza do céu noturno

restam-nos as nuvens, as estrelas e a lua surgindo

somos menores do que formigas

e não sabemos

 

 


            (111)

as chinelas propiciam a possibilidade de andar

simplesmente estar ou não em lugares distintos

em tempos diferentes

sem elas o direito de ir e vir não se aplicaria

e não haveria movimento

 

            (1000)

ontem esteve muito bom

como se flutuássemos de mãos dadas

sobre um campo de flores

ao que outros chamariam paraíso

e hoje vesti a fronha do travesseiro

sobre o qual Você dormia

como que para roubar

o teu cheiro

 

            (1001)

fome

falta de mordida não dada

mastigação inexistente

digestão imaginária

sono

impossibilidade de fechar os olhos

sonho distante

pesadelo interminável

sede

ausência de água

camelos andando

e mais nada

 

            (1010)

a fome do homem é

a fome do poder

exercer domínio sobre o semelhante

a fome do homem é

atração

sedução do sexo oposto

a fome do homem é

gula

fagocitose de si mesmo

auto-destruição

 

            (1011)

aqui termina o que começou aqui

 

 

Antonio, o mudo

dezembro 3, 2008

A chuva cai lá fora, mas apesar de protegido por este teto, é como se chovesse dentro de minha cabeça – pensou Antonio. Anteontem mesmo, dia quente, um sol infernal lá fora, e ainda que em ambiente termicamente condicionado, foi como se fritassem os meus miolos. De certa forma, estou desprotegido das intempéries.

 

Quando questionado sobre a arte e a inovação da vida, penso sempre nos ovos que foram fritos, antes de virem a ser frangos. A vida tem destas surpresas. Assim, a arte de um ovo estrelado é o inverso da imaginação do galináceo, para o prazer da degustação do faminto.

 

A natureza entra com o equilíbrio, mas cada um tem de dar um pouco de si. Antonio era velho e gago. A idade ele adquiriu com o tempo. Em contrapartida, ganhou a experiência. Mas o gaguejar, não sabia de onde. Nenhum caso na família. Nenhum trauma de infância. Tudo aconteceu muito rápido, de repente começou a ter dificuldade em pronunciar as palavras. Os amigos se afastaram. Sentiu-se excluído do contexto social em que outrora vivera. Decidiu mudar de cidade. E desde então, passava-se por mudo. Já não tinha de dar satisfação pra ninguém.

 

Até que certo dia um playboy perguntou pra ele como chegar em determinado bar, da cidade pequena onde ele morava – ou se escondia. O puto devia ser de fora, e tinha mais dois amigos no Honda Civic zero quilômetro. Antonio não respondeu. Era parte de seu teatro do mudo. Antonio morava no sol. Mas quando chovia, ele ficava ensopado. No planeta Terra, trabalhava de açougueiro.

 

O playboy disse para Antonio que todo surdo é viado. Mas Antonio não era surdo; nem mudo. Ele era gago e açougueiro. Arrancou a peixeira e cortou a garganta do playboy filhinho de papai.

 

Coisa do destino: Antonio nunca mais gaguejou.

Confissão ao genuflexório

dezembro 3, 2008

Sim, eu defenestrei o gato.

 

Conte-me o que se passou em detalhes, meu rapaz, para que eu possa avaliar a gravidade de teu pecado.

 

Eu e meu amigo Diogo nos encontramos num boteco fétido, próximo da rodoviária. Depois do trabalho. O encontro havia sido previamente acordado. O intuito era simplesmente aquele de jogar sinuca, tomar umas cervejas, uma ou outra cachacinha, jogar conversa fora e comer uns torresmos. Espairecer da correria do cotidiano – confraternizar. O ambiente estava animado com a presença de profissionais dos mais variados: pedreiros, eletricistas, cobradores de ônibus e alguns biscates. Cada um deles contando causos burlescos do dia a dia. O senhor, mesmo sendo padre, deve saber que muitos de nós – homens simples que ganham a vida nas ruas das grandes cidades – não passamos de uns bazofiadores e fesceninos.

 

Sim, sim, eu sei. Mas, por favor, prossiga meu rapaz.

 

Acontece que, naquela noite, ficamos entretidos um pouco mais que de costume naquela espelunca. Jogamos muita conversa fora. Ainda mais cachaça e cerveja pra dentro. Eu e meu amigo Diogo dividimos um apartamento simples num conjunto próximo daqui, no centro, com mais dois outros colegas; que também trabalham na mesma obra. Moramos no quarto andar; apartamento número quarenta e dois.

 

Sim, meu rapaz. Mas prossiga.

 

Quando voltávamos a pé; cambaleantes; da bodega para o prédio; já tarde da noite; um gato começou a nos seguir. Ele vinha miando. Dizem dos ébrios que estes têm lá as suas semelhanças com as crianças. A certa altura do caminho, paramos e brincamos com o bichano. Ele era manso. Continuamos a árdua jornada. O gato seguia atrás, miando.

 

Sim, mas e daí, o que houve?

 

Dado momento; defronte ao prédio; estávamos eu, Diogo e o gato. Discutíamos, então, o que faríamos do gato. Não os três; apenas eu e Diogo. O gato miando. Ele já tinha chegado até ali. E parecia faminto. Pensamos em alimentá-lo com leite. Havia leite na geladeira do apartamento. Mas era proibida a entrada de animais domésticos no prédio. Como disse, padre, o felino era dócil. Acomodou-se por debaixo da blusa, bem de frente a minha barriga, e entramos pelo saguão. Quando passamos pelo porteiro, ele disse: Boa noite, Jóve – com o português tosco; que o curso de madureza não deu conta de corrigir. O gato botou a cabeça pra fora da gola de minha blusa naquela hora. Imagino a surpresa dele; não a do gato; àquela do porteiro. Eu de cara cheia em cima; e a cara do gato, com os seus longos bigodes logo abaixo; à altura do meu pescoço. Jóve, não pode subir com o bichano. Eu só vou dar um pouco de leite pra ele e já trago pra baixo. O gato deu um miado faminto; acho que vinha confirmar a estória. Pode í então, Jóve. Eu, Diogo e o gato pegamos o elevador.

 

Até aí, sem pecado. Boa a intenção, meu rapaz.

 

Chegando no apartamento, o gato continuava manso. Pegamos leite e pusemos num prato fundo, destes de sopa. Ele tomou tudo. Tomou até mais um pouco de leite; de um segundo prato fundo de sopa. Feito isso, fui pegar o bichano pra levar para baixo. Parecia endiabrado. Já não miava mais. Botou as unhas de fora e não queria que ninguém tocasse as mãos nele. Numa de minhas tentativas, arranhou o meu antebraço esquerdo. Quatro linhas longas e paralelas delineando a ferida. O sangue brotando da pele. A cabeça girando de bêbado. Diogo abriu bem a janela. Peguei o gato de impulso, pelo meio do dorso e defenestrei com ele dali.

 

O gato, ele caiu de pé?

 

Ele deu um único grito longo, desses de gato mesmo, durante toda a descida pelos quatro andares abaixo. Caiu de pé; com um barulho oco no tórax. E saiu correndo dali. No outro dia, padre; desculpe-me pelo termo; puta dor de cabeça; eu nem me lembrava mais do ocorrido. De onde é que surgiram estes arranhões no antebraço?

 

Então, como é que está aqui se confessando?

 

É que fui topar com ele bem na saída do prédio pela manhã. Não com Diogo; com o gato. Ele estava lá na sarjeta; duro feito um pau. As patas retesadas pra frente; sangue seco escorrido do canto da boca.

 

Que azar, levou as sete vidas de uma vez!

 

Acontece, padre.

 

Sete Pai Nossos; sete Ave Marias; e vai com Deus, meu rapaz.

Cadeia alimentar

dezembro 3, 2008

Cada um de nós

traz dentro do peito

uma brisa

alguns dias esta sopra fraca

parece sufocar a calmaria

outrora é capaz de tocar a tua jangada

às vezes furacão

redemoinho, tempestade

assim a vida faz da gente

brinquedo

importante é entender do mar

e das suas malícias

aproveitar das delícias

superar as barreiras

no fim das contas

ser capaz de sorrir às gaivotas

cativar a amizade das sardinhas!

Antonio entrou na sala ligeiramente após o início da aula. Baixou a cabeça num sinal de respeito a Francisco, que fazia a preleção. Este consentiu. Aquele caminhou calado e sentou-se ao fundo. Antonio passou os olhos atentamente pela sala. Observou que a classe era composta por aproximadamente quarenta estudantes. Todos eles na faixa dos seus vinte e poucos anos. Mais ou menos uma dúzia de mulheres. Apenas um terço delas eram atraentes. Bem que podia ser numa faculdade de artes cênicas, pensou Antonio. Neste caso, muito provavelmente, ele não haveria de estar ali. Por que lá são mais resolvidos.

 

Francisco deve ter uns trinta anos, pensou Antonio. Mais novo do que ele imaginara. Antonio, já beirando os quarenta anos de idade, era certamente o mais velho da sala. Antonio piscou o olho direito três vezes rapidamente e na seqüência ergueu e baixou seu ombro esquerdo. Francisco falava sobre um tal de Mandelbrot. Um certo procedimento iterativo que era computado; e visualizado graficamente no plano complexo. A fronteira da figura resultante apresentava uma geometria peculiar e elaborada. Esta fronteira mantinha a mesma característica mesmo quando sujeita a sucessivas ampliações. E isto caracterizava a geometria como fractal, disse Francisco. Figuras coloridas que aludiam às formas variadas da natureza.

 

Fazia calor e isto era bom. Caso contrário, as mulheres da sala não estariam usando as roupas vaporosas que a idade lhes permitia. Antonio deliciava-se com isto – apesar de ter o seu universo restrito a umas quatro ou cinco beldades. Já fazia algum tempo que não passava o tempo sentado na carteira; recordava como outrora havia sido divertido. Mas o ventilador no fundo da sala; com suas pás ligeiramente desbalanceadas; o incomodavam pelo ruído cíclico. Antonio também receava que o mecanismo, em mal estado de conservação, se soltasse e viesse a atingi-lo (embora percebesse que os demais estudantes não davam a mínima para isso). Devia ser destes pequenos inconvenientes que fazem sentido apenas para as pessoas mais velhas – ou aos afrescalhados. Antonio piscou o olho direito três vezes rapidamente e na seqüência ergueu e baixou seu ombro esquerdo.

 

A maioria dos estudantes parecia bastante entretida com as explanações de Francisco. Ele deixou a sala de aula por alguns instantes e retornou trazendo o aparato: um pêndulo cujo centro de oscilação estava fixo num carrinho. Este, por sua vez, podia correr na horizontal; produzir um movimento de vai-e-vem com pequena amplitude; caso fosse acionado o motor elétrico. O pêndulo; com sua massa disposta abaixo e distante do centro; oscilava naturalmente em torno do equilíbrio estável; quando ligeiramente deslocado da posição vertical. Depois de algum tempo, parava. Francisco demonstrou isto em sala.

 

Antonio observava apenas um grupo de três alunos dispersos. Eles conversavam e gargalhavam baixo; no canto esquerdo do auditório. Sabe-se lá: discutiam algum caso da noite passada; um programa de tv; talvez estivessem mesmo ridicularizando alguém da sala. Antonio imaginou a si mesmo como foco das piadinhas. Ele piscou o olho direito três vezes rapidamente e na seqüência ergueu e baixou seu ombro esquerdo. Depois Francisco acionou o motor elétrico que tocava o carrinho. Causava o movimento cíclico horizontal do centro de oscilação. Conforme Francisco aumentava a rotação do motor, o comportamento do pêndulo era diferenciado. Até que, para uma determinada freqüência, o sistema oscilava com a massa acima do centro – pêndulo invertido. Este padrão de equilíbrio instável é a resposta do sistema à energia de excitação do motor, explicou Francisco.

 

Antonio com os olhos perdidos nos peitos de uma estudante com cabeleira longa e loura. Pensou nos motivos que o traziam ali. Será que fazia mesmo sentido? Tudo lhe parecia tão dentro dos padrões da normalidade. Quando observamos uma flor, se ela é fresca, o aspecto saudável, o perfume agradável, então o que há de errado com ela? E mesmo que haja algo, deixará de ser o que é por causa disso? Mas Antonio havia aprendido que não. Os padrões existem para serem observados; medidos; julgados. Muita vez se punha a questionar suas próprias razões. Nestes momentos, preferia assumir que estava apenas um pouco cansado, e que isto, por si só, era a causa da dúvida. Então (e só assim) esta se desvanecia. Antonio percebeu a aluna fitando-o. E ele aos peitos dela. Virou rápida a cabeça, piscou o olho direito três vezes rapidamente e na seqüência ergueu e baixou seu ombro esquerdo. Francisco desenvolveu no quadro as equações não-lineares do movimento para o pêndulo invertido. Depois comentou qualquer coisa sobre a linearização necessária para o controle; os pontos de bifurcação; os diagramas de trajetória; e o caos.

 

Então ele saiu da sala e voltou equilibrando com dificuldade uma bacia. Cheia d’água quase até à boca. Antonio aguçou o seu olhar. Quiçá, o que ele esteve esperando, durante todo este tempo! Estas experiências de pico o mantinham vivo; seguro de si; de suas convicções. (Afastava o fantasma de sua insegurança). Afinal, o homem é o predador dele mesmo. Ora fazemos papel da caça; ora estamos naquele do caçador – sábio e antigo o dito popular.

 

Francisco preparou um barco a partir de uma folha de papel em branco. Botou-o flutuando sobre a bacia. Ele disse que esta era a condição de equilíbrio estável da interação do fluido (a água) com a estrutura (o barco). Então se ajoelhou de frente à bacia. Começou a bater com as plantas das mãos violentamente na água. Para provar o seu desequilíbrio. Foi quando Antonio levantou-se, foi caminhando calmamente em direção à porta e baixou a cabeça num sinal de respeito a Francisco, que fazia a preleção. Este consentiu.

 

Antonio retornou à sala acompanhado de dois brutamontes vestidos com os seus uniformes brancos do manicômio. Eles puseram a camisa de força em Francisco. Levaram com ele dali. Antonio tinha quase quinze anos de experiência como psiquiatra. Freqüentava as sessões semanais de terapia. Mas não havia conseguido se livrar do cacoete.

Panorama macro-econômico

dezembro 3, 2008

A matéria é solta e jogada ao prazer das leis naturais. Assim e ao contrário dos ciclones, que constituem as exceções, sempre tão importantes quanto as regras. Para que o equilíbrio possa dar-se no vazio da dúvida – o fato em si mesmo.

 

Neste desenrolar do tempo, escorrido por espirais que levam para algum buraco negro da consciência. Onde tudo é sabedoria e a dúvida apenas um conceito abstrato. Lá, onde o real é improvável habitar; a convergência entre o insano e aquele que raciocina: o óbvio. As coisas como elas são.

 

No meio do caminho sou tragado como que por sonho. Como se o tempo congelasse e fosse permitido mudar de escala. De valores. De pontos de vista. Sou tragado por este ralo também. Esse que leva a gente para esta convergência absurda; à borda do universo; num instante infinitamente distante de agora. E então, é mesmo sonho, loucura, devaneio.

 

Isto, ou a brincadeira de ver a Via Láctea como que matéria girante indo para o centro. O umbigo para onde voltar, do tamanho de uma laranja. Minúsculo é o decaimento das partículas. Noutra escala: a bolsa de valores caindo; levando junto os senhores de terno preto, laptop e celular.

Tal e qual a imaginação do viajante, o caminho é sempre o mesmo. Dando voltas em torno do corpo. Ou ainda, de um novo ponto de vista: a cabeça girando e girando; sem parar. E, por isso, tanta confusão.

Devoro-te aos pedaços

dezembro 3, 2008

O espaço transcendente no qual trafegas

parece tão inviável.

São artes do mar as suas ondas

e a possibilidade de não fazê-las.

Maresia a favor,

contra qualquer imprevisto.

Lamenta cada lágrima

por pertencer a um olho só.

Pede mais um pouco e procura.

Almeja o cume de dimensão inimaginável.

Ondas de um mar revolto,

onde o submarino sou eu.

O espelho no qual te olhas

reflete a ti mesma,

que de tão linda e exuberante,

entorpece aos sentidos

que são teus,

e que são meus.

Devoro-te então,

aos pedaços.

No mundo subaquático

da minha visão,

capturo um flashback teu

onde gozas eterna

para mim.

Aquele sorriso

dissolve-se na penumbra,

em gemidos.