Exclamação ao de menor

novembro 22, 2010

o belzebu à toa bebe da água boa do mar

ele a ferve a quentura dos infernos

do sal evapora as águas a gosto

para depois sublimá-las em pedra (d’água)

 – x –

as geladeiras de pólos opostos aguardam

destes saberes em brancas nuvens

olha para o alvo como ele te vê

a si mesma como você vê o alvo

 – x –

o paradoxo do muro num mundo de ponta cabeça

açeqac atnod ep opnum mun orum op oxoparad o

salve belzebu alado grita ao imundo do seu lixo

do seu vazio do seu coração vazio do seu coração

 – x –

hermético porque lhe escapa aos vãos dos dedos a idéia

a presidente não toma ou tomará providência em contrário

enquanto a poesia flui ligeira

a poes!a f!u! !!ge!ra !nterm!tente p!a afora

Fugir à tarde

novembro 16, 2010

segue bêbado o seu caminho ébrio já não pensa a lógica navegar o mar da eternidade numa órbita anos luz distante da sanidade a tarde dissolve-se lentamente pela fina chuva dizem que todos os anos de cada setenta e seis deles exceto um não passa o halley e  dentre todos os satélites artificiais lembra-se da queda do skylab no ano de 1979 a estação foi destruída na reentrada com o planeta vinte quatro horas por dia girando desenvolvia velocidade nos finais de semana esse último inclusive desde antes da eleição de dilma a primeira presidente depois da era Lula pediu que todos os metalúrgicos cortassem o dedo em protesto mas só ele o fez de fato há um mistério sobre o paradeiro do membro amputado teria sido comido de raiva por algum outro militar na época da ditadura ou teria sido adquirido por um magnata das telecomunicações obcecado pela arte perversa da anatomia humana dizem possuir a orelha de van gogh especulam outros essa última ter inspirado o arquiteto oscar niemeyer no projeto dos orelhões da companhia telefônica os mesmos existiam aos milhares nas esquinas do país dito continental antes da disseminação dos celulares pelas fronteiras desvirginadas entram e saem livremente os macumbeiros das encruzilhadas e serão sempre esses os cantos a apreenderem das outras dimensões os espíritos onde habitam as almas penadas a saudade é tanta eu tenho levado para longe daqui o assunto

deixei o Éden para entender das moradas da mãe

fui xamã, fui demônio noturno

presente nas contrações do meu pinto

no prazer do orgasmo

sou a vida, sou a morte também

o relâmpago anunciará o trovão

os símbolos escondem significados

olha com atenção

vê no singular o plural

vê no plural o singular

quero conhecer a cadência inebriante

de seus passos

da sua respiração apressada

no momento de total entrega

vou navegar os seus planetas

as suas galáxias distantes

desvelar sua loucura oculta

vou perder-me

na embriaguez da sua alma

é no coito

que a relação com o todo se manifesta

somos profetas

a predizermos os quereres

um do outro

oráculos divinos

a revelarmos o universo

* Inspirado na obra “O Caminho da Deusa” de Maria Esmeralda Grunglasse

causa medo aos senhores

por ser incontrolável

mesmo trancafiado no calabouço

ele brada

queimem os livros mágicos

para o poder da palavra

o caminho leva ao centro

a realidade provém das crenças

das quais há de desprender-se

para o livre fluir

o mito se revela através dos símbolos

transporte para além do véu

enquanto insones reclamam da falta

sonhadores criam os espaços ermos

o verbo é encantamento

chave da comunicação entre as dimensões

a taça será entregue

a aliança formada

a adaptação solicita flexibilidade

elevar-se à altura do quinto elemento

ao longo do caminho milenar

observa os rastros de luz

a hesitação ante os ventos

respostas conscientes

a crença de limitação é a raiz de seu medo

– transcenda-o

o sonho é a morada do espírito livre

e a porta pesada desvela-se lentamente

revela a mesma simplicidade desnuda

daquela do altar de pedra

se tua dor emocional culmina em choro

compreende o propósito da dor

* Inspirado na obra “O Caminho da Deusa” de Maria Esmeralda Grunglasse

Parêntese

novembro 6, 2010

esetnêrapparêntese

(parte intensa)

(para dentro de si)

(para-papa-pá-pá-pá)

(minha pequena)

(felicidade efêmera)

(há rede no repouso das sentenças)

(as palavras se desintegram em letras)

(paar seempr)

(quando venta)

Rinoceronte

novembro 1, 2010

A primeira hora do dia era também a mais grave. Quando Ermelinda despertava – todos os dias, pela manhã – ela tomava consciência do contexto desesperador ao qual se encontrava inequivocamente atado. À noite, os seus sonhos, ainda que resultantes da manifestação de processos inconscientes, eram muito mais brandos e suportáveis que a realidade da vigília. E por isso, muita vez, entregava-se em demasia ao repouso. Se, por um lado isso diminuía o tempo de sua existência emaranhada ao quotidiano senciente e claudicante, noutra medida privava-lhe da real possibilidade de ação ante aquela realidade aterrorizante.

E assim Ermelinda enxergava-se presa a essa roda do destino, alternante, dos seus sonhos mais sublimes e também uma miríade de dias intermináveis; os acontecimentos lhe pareciam tão desconexos que furtavam a possibilidade de encontrar, enfim, a linha tênue que pudesse livrá-la de sua condição (sub)(h)umana.

O café da manhã era servido à mesa e os outros membros da família chegavam de banho tomado, vestidos e sorridentes a ocuparem os seus papéis previamente estabelecidos numa conversa amena e agradável. Ermelinda achegava-se então nua, lânguida, com os olhos remelentos, espreguiçava, bocejava despudoradamente; ocupava a saleta anexa à copa, onde o seu desjejum já havia sido deixado. Mastigava e engolia calada o alimento que, se não era agradável ao paladar, ao menos lhe garantiria os nutrientes necessários ao seu sustento pelo breve período entre a aurora e o desvanecer da bola de fogo – mísero e desprezível rodopio que os planetas insistem em manter.

Ermelinda bem sabia da abundância e da variedade dos sabores oferecidos à mesa da copa – não chegava aos pés daquilo que lhe serviam! – posto que se aventurava em investidas furtivas à mesa da copa sempre que a providência lhe favorecia com uma oportunidade. De qualquer modo, resignava-se a sua sina, evitando o confronto direto com os outros membros da família.

Ela sabia que, apesar da aparente calmaria que transparecia de seus semblantes, dos gestos sinuosos, eles estavam em verdade impregnados de ódio, do rancor, das desavenças não proferidas e contidas por debaixo de suas roupas elegantes. Como se cada manhã fosse uma tentativa vã de reconciliação com a paz de espírito. Dinamite à eminência de súbita explosão. Ermelinda não faria o papel de catalisador ao processo. E assim, poucos (por vezes nenhum deles) lhe dirigiam alguma palavra, carícia ou voto de bom dia. Espalhavam-se, ávidos, em suas ocupações egoísticas.

As recordações primárias de Ermelinda levavam-na a conclusões incertas quanto à origem de sua condição de criatura subjugada, sujeita as mais graves e notórias discriminações. Por causa dessa incapacidade de recordar-se de eventos pretéritos é que, por vezes, questionava se nalgum instante remoto, tivesse ela mesma tomada essa ou aquela atitude equivocada; enfim, escolhido de consciência própria explorar a trilha da desventura dentre tantas as bifurcações que se sucedem ao longo.

Apesar disso e daquilo – do expresso acima – Ermelinda não se sentia, em absoluto, na condição de inferior ou desfavorecida quanto aos demais. Ela tinha também as suas qualidades. Ermelinda era sagaz observadora e conhecedora do comportamento humano. Sensitiva, sabia discernir cada uma delas e podia enxergar através das múltiplas camadas de máscaras nas quais se revestem os relacionamentos.

Ermelinda era sincera, muita vez implacável. Não admitia meias palavras, o verniz da educação ou de cortesia a sobrepujar intenções veladas de influência ou de dominação do semelhante. Ante o mais sutil indício de má índole se afastava rudemente (fechava-se em seu casulo; no seu mundo), vez por outra agredia verbalmente (sibilava), noutras fisicamente (unhas e dentes a seu favor). Enfim, se a loucura de Ermelinda a privava do convívio dito socialmente aceitável, por outro lado essa sua agudeza e firmeza de propósitos lhe garantiam o sono tranqüilo – aquele que se mostra apenas aos justos.

Ermelinda era doce; ingênua como uma criança. Sua existência favorecia o fluxo sincero e ininterrupto do carinho e da doação. Amorosa. Apreciadora das singelezas dessa nossa esfera. E, definitivamente, não compreendia como o nosso pessoal – a própria família – preenchia a sua existência de afazeres vãos. Em sua visão mui particular: objetivos de funções secundárias. “Pra que tantas roupas chiques e caras se passam a maior parte do tempo trancafiados em casa? Se não consegue olhar fundo nos olhos do outro? Se já não podem confiar em si mesmos?”

Trocava os dias pelas noites. Certa ocasião, semanas atrás, despertei no meio da noite. Permaneci de olhos fechados e percebi a presença de Ermelinda. A gata havia penetrado no quarto através da porta que ficara entreaberta. Ouvi atentamente o que Ermelinda pensou alto. E aquilo ficou talhado como cicatriz irreversível de punhal em minha alma. “Esses seres humanos parecem-se com rinocerontes; eles roncam enquanto dormem!” Enfim, tive de matá-la.