O paradoxo do policial

agosto 19, 2010

Retornava do dia de trabalho quando observou, através da janela do coletivo, o policial tomando notas em seu talão.

A motocicleta abandonada, estacionada em posição irregular, acrescentava ao fluxo caótico da avenida.

De súbito, o passageiro cai em si: Era dele próprio o veículo. Logo, o policial não devia estar a penalizar-se.

É difícil dar-nos conta. São nossos os próprios erros. Os deles, o meu, o seu.

Um sonho

agosto 12, 2010

Conduzo o veículo pela estrada através da noite escura. Estão no carro eu, um amigo e a sua namorada (ou esposa?). Além de dirigir o veículo, preciso tomar nota de dados relativos à viagem: da distância percorrida entre as cidades, detalhes da paisagem e outros relacionados especialmente à geografia, que é novidade para todos os três.

Chegamos ao nosso destino. A casa é simples e lembra em muito a morada de meus avós paternos. A residência está vazia e estamos realizando a mudança. É essa a nova morada do casal. Tenho a sensação de tratar-se de uma mudança de cidade e também de atividade desse meu amigo.

Enquanto a mulher dispõe os pertences do casal, tenho por incumbência lavar uma perna e um braço da namorada de meu amigo. O braço e a perna dela têm a consistência emborrachada daqueles de um manequim. Observo a mulher e – para minha surpresa – ela é deficiente de ambos os membros, embora isso não a impeça de continuar com a arrumação da casa; como se tivesse um braço e uma das pernas invisíveis, permitindo a ela caminhar normalmente e manipular os objetos com ambas as mãos.

Termino de lavar a perna e o braço da namorada de meu amigo no tanque, com água e sabão. Olho para a mulher e tenho nova surpresa: subitamente ela apresenta-se de corpo inteiro; não mutilado. É uma linda mulher, tenho de admitir. Negra, com cabelos longos e encaracolados. Sinto desejo por ela, mas tenho a consciência de que é mulher de meu amigo; e preciso conter-me.

Meu amigo sai para o primeiro dia de sua nova ocupação. Percebo a ansiedade que transparece em seu semblante. A mulher o apóia e ele parte, deixando o lar para o dia de trabalho. Eu permaneço em casa com a namorada (ou esposa?) de meu amigo. Ela mostra-se tranqüila e satisfeita; diz que agora – nessa nova etapa na vida do casal – eles terão mais tempo para si. Esse comentário tem uma forte conotação sexual; ela parece insinuar-se para mim; sinto um misto de desejo e limitação consciente – “não posso trair meu amigo”.

Ocorre uma súbita mudança de ambiente. Estou agora acompanhando o meu amigo em seus afazeres. Existe um conflito referente à interpretação de um documento. Inserindo no contexto: o casal foi morar numa cidade que fica localizada na cratera de um vulcão extinto. Existe minério na região – substâncias puras que jorraram do centro da Terra há milhares de anos podem ser encontradas em abundância.

O documento trata dos meios para a construção de uma espécie de cone de barro, com outro cone de barro dentro. As pessoas com as quais meu amigo lida – estas são pessoas mais experientes; havendo inclusive uma senhora de baixa estatura que aparenta ser a mentora do grupo – acreditam que o cone de barro externo não passa de um molde, enquanto aquele interno é o objeto final dos afazeres de todos eles. Entretanto, existe uma questão pendente: sendo o cone interno de barro (assim como o externo), este é frágil, quebra-se facilmente, e isso põe em cheque a lógica que é consenso entre a maior parte do grupo: porque o produto final não deve ser efêmero.

A argumentação de meu amigo – à qual eu venho compartilhar –  segue na linha de que o cone de barro externo é realmente um molde; entretanto, o cone de barro interno é uma espécie de filtro para o minério. Este coador desgasta-se com o uso e precisa ser reproduzido – daí a necessidade do cone de barro externo. Isso implica que o resultado final da tarefa não é a confecção do filtro interno, mas a purificação do minério por infusão.

Essa nova idéia apresenta forte rejeição imediata, mas graças aos esforços de meu amigo, acaba tornando-se unânime – donde resulta uma nova compreensão da natureza dos objetos e das finalidades para as ocupações.

Finalmente meu amigo pode retornar para casa. Tenho a surpreendente percepção de que eu e ele somos a mesma pessoa; logo, tenho o direito legítimo ao amor de sua vida – ao amor de minha vida – que é a sua namorada (ou esposa?).

Encerrada a tensão do drama, proposta pelo sonho, este cessa, abandona o sonhador, deixando a narrativa acima para a interpretação dos expertos ou devaneio dos loucos.