Uivar para a lua cheia

junho 23, 2015

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Quando Bolinha apareceu na chácara de Seu Tatá foi só alegria. O céu de um azul intenso, o verde das matas, o brilho do sol, era como a primavera trazendo de novo o alento. O velho e bagunceiro Escovão tinha morrido há pouco tempo, Seu Tatá sentia falta doutro cão vira-latas daquele. Ele tinha ficado apenas com Batatinha e Xanadu, que eram filhotes, por isso não podiam acompanhá-lo na lida do pomar, nas idas e vindas até a vila para tratar dos negócios da chácara ou mesmo para uivarem juntos, sem compromisso, se a lua era cheia.

É fato que Bolinha não estava sempre presente. Ele vinha de muito longe (ao menos para um cachorro), visto que morava noutro extremo da vila, onde ganhava o seu sustento como cão guia de um senhor cego. Bolinha era habilidoso na condução do seu dono através do calçamento e dos cruzamentos das vias. Mas o que ele gostava mesmo era da vida alegre na chácara e de acompanhar o Seu Tatá nos seus afazeres. Ao contrário do senhor cego, Seu Tatá não precisava dele, sabia se virar muito bem com a rotina da chácara, mas demonstrava carinho pelo divertido e desastrado Bolinha, meio sem tino para com as plantas.

Bolinha, como todo vira-lata, gostava de se exibir, trazia uma manga na boca se Seu Tatá a arremessasse para longe. Abanava o rabo pedindo para Seu Tatá jogá-la novamente. E de novo. E de novo. E de novo. Ficava se esfregando nas pernas do Seu Tatá. E por ser correspondido, achava mesmo que Seu Tatá precisava dele. Mas aquelas brincadeiras do Bolinha eram bobagens. Só mesmo os cães, que não raciocinam, não percebem o quanto são, por vezes, ridículos em suas atitudes. Pidões e carentes; demasiado inocentes. Sair correndo, trazer uma manga na bocarra ou uivar para a lua cheia: Bolinha não se apercebia de que nada disso agregava a chácara, ao Batatinha, a Xanadu ou ao Seu Tatá. É verdade que se divertiam, mas só.

A vida é grave. Existe um sentido maior para cada ato e toda a criatura deve se colocar no seu devido lugar. Então, quando Bolinha clamava por mais atenção, julgava-se merecedor de morar com Seu Tatá, assim como a Xanadu e o Batatinha, Seu Tatá foi ter com Bolinha:

– Olha Bolinha, você é muito bonitinho e divertido, mas é cão guia do senhor cego lá na vila. Essa é a sua função nessa Terra. Pense bem, se não fosse por você, o senhor cego não poderia trafegar com segurança pelo calçamento e através dos cruzamentos entre as vias, cumprindo tarefas ainda mais importantes que as tuas, na infinda escala dos desígnios das criaturas. Há um plano maior que alicerça e a tudo dá sentido. Veja como você é afortunado: mesmo sendo um cachorro vira-latas, você é também um guia, Bolinha. A Xanadu, o Batatinha e eu somos gatos. Nós somos independentes, não precisamos de você aqui na chácara. E depois, o Batatinha e a Xanadu vieram antes. Não podemos mudar uns pelos outros apenas. Precisamos estar orientados a um objetivo pré-estabelecido, anterior. Por isso, Bolinha, eu peço que você não me procure mais.

Apesar de Bolinha pouco ter entendido quanto às motivações mais profundas que norteiam a aguçada percepção felina, mesmo para a parca sapiência de um reles cão vira-latas a colocação de ordem prática de Seu Tatá tinha sido bastante contundente. E Bolinha se conformou; com o rabo entre as pernas, ele retornou para o outro extremo da vila, onde morava com o senhor cego.

Agora Bolinha tem consciência de como é afortunado, porque sabe que, por intermédio dele, o senhor cego pode realizar tarefas tão importantes que Bolinha é sequer capaz de concebê-las. Bolinha entendeu também que catar os objetos atirados e trazê-los de volta ao dono, assim como ficar roçando as pernas das criaturas em nada lhes acrescenta de valor, por isso desistiu desse seu feitio.

Bolinha gostaria de entender a razão dos gatos, mas isso a sua natureza canina não permite. Deve haver motivo muito forte para um mundo assim tão justo e sisudo. Cada qual trabalhando como engrenagem de uma grande moenda a esmagar a si mesma. E a noite, em meio a seus devaneios, Bolinha ainda se recorda do quanto ele apreciava uivar para a lua cheia.

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SINOPSE >> Por que Jornada Rumo ao Sol?

Segundo a mitologia grega Ícaro caiu no Mar Egeu quando a cera de suas asas se derreteu. Ícaro havia se descuidado em seu voo indo para próximo do Sol. Ele ignorara o aviso de seu pai, Dédalo, para que o evitasse. Quanto ao paradeiro de Ícaro há, entretanto, controvérsia. O rastro de cera deixado, indo até a fronteira da Terra, é um forte indício de que ele teria deixado o planeta.

Se Ícaro tivesse de fato voado rumo ao Sol – suposto ter vencido com suas asas a gravidade da Terra – como teria sido o seu fim?

O nosso Sol provavelmente deve tê-lo consumido sem dó nem piedade. Aquela antiga chama em combustão extrema teria transformado a massa de outrora – seja o corpo ou as suas asas – num produto mais sutil. A inspiração; para a elevação de ideias. O que realmente nutre a alma do homem.

Fragmentos: imagens, lembranças, sonhos e outras sensações estéticas. Aquilo que denominamos poesia por pura impossibilidade de capturá-lo por inteiro.

Isso, estes nossos fragmentos, os blocos elementares que compõem o sujeito, são os veículos propostos neste livro.

Para que você empreenda, montado no sutil, no etéreo, a sua própria Jornada Rumo ao Sol.

ENTREVISTA >> do autor concedida à Scortecci Editora:

1) Do que trata o seu Livro? Como surgiu a ideia de escrevê-lo e qual o público que se destina sua obra?

Jornada Rumo ao Sol é um apanhado de contos (principalmente) e poemas escritos ao longo de três anos. Trata-se de uma reflexão existencial que foi amarrada em torno do mito de Ícaro. É um livro para adultos, para leitores experimentados, de mente aberta e na busca pelo autoconhecimento. Esta é a proposta do livro.

2) Fale de você e de seus projetos no mundo das letras. É o primeiro livro de muitos ou apenas o sonho realizado de plantar uma árvore, ter um filho e escrever um Livro?

Eu sou uma pessoa interessada pelos relacionamentos humanos e aqueles do ser humano para com a natureza. Leio muito mais que escrevo. Jornada Rumo ao Sol é o resultado de minha própria jornada pessoal, acredito que possa ser uma leitura prazerosa e útil àqueles que decidirem se debruçar sobre esta obra. Escrevo por pura necessidade, para exorcizar os meus demônios e organizar as minhas próprias idéias. Este é o meu quarto livro, sendo o segundo publicado pela Scortecci. Pretendo continuar escrevendo sempre que julgar estar acrescentando alguma inovação às múltiplas formas de percepção daquilo que nos cerca, daquilo que nos toca; ou seja, da vida.

3) O que você acha da vida de escritor em um Brasil com poucos leitores e onde a leitura é pouco valorizada?

É uma pena que o Brasil tenha poucos leitores. Mas isso é o resultado de anos de descaso para com a educação em nosso país. Quanto ao escritor, resta escrever por amor e por um chamado interior. As obras que realmente tem conteúdo não estão sujeitas ao sabor de modismos e dos interesses passageiros. Basta ler Machado de Assis, por exemplo, para ver como os seus textos são relevantes e geniais. Obras assim não perecem jamais. Não sei se este é o caso dos meus contos e poemas. Cada um de nós tem apenas uma visão parcial da realidade; como todo ser humano, somos limitados às nossas próprias percepções e ao curto espaço de tempo dispendido nesta nossa Terra. O que eu posso garantir é que me empenhei bastante, os meus textos foram escritos com a caneta numa mão e o coração na outra.

4) Como você ficou sabendo e chegou até a Scortecci Editora?

Eu escolhi a Scortecci porque eu acredito na competência e no trabalho honesto da editora. São muitos anos de experiência na publicação e comercialização de livros. Isso pesou muito na escolha.

5) O seu livro merece ser lido? Por quê? Alguma mensagem especial para seus leitores?

Pessoalmente, acredito que vale muito a pena a leitura de Jornada Rumo ao Sol. Desejo àqueles que se propuserem a fazer esta viagem uma boa diversão. E deixo aqui a frase que preparei para os autógrafos no dia do lançamento: que este Yantra Ilumine o Seu Caminho!!

AUTOR >> Sobre:

Jorge Xerxes – heterônimo de Alessandro Teixeira Neto – é pisciano; nascido no ano de 1971. Mantém o blog “Palavras Órfãs de Poesia: O que Restou” desde 2008. https://jorgexerxes.wordpress.com/

Natural de São João da Boa Vista, SP; “cresci ao pé da serra da Mantiqueira; por entre trilhas e cachoeiras; sempre em rota de colisão àquele verde inconcebível”.

Estudou por pouco mais de dez anos na Unicamp; “tinha o meu próprio ritmo de assimilar as coisas” diz com um sorriso enigmático no canto da boca.

Interessa-se por tudo aquilo que nos passa desapercebido; “gosto de escrever sobre as coisas pequenas”.

Publicou:

[1] “As Cinquenta Primeiras Criaturas”, Livro de Contos e Poesias, 150 pp, Editora Multifoco, ISBN: 978-85-7961-109-4, (2010).

[2] “Para Pescar a Lua”, Livro de Contos e Poesias, 138 pp, Ryoki Inoue Produções, ISBN: 978-85-63427-09-0, (2011).

[3] “Trama e Urdidura”; Livro de Contos, Crônicas e Poesias; 156pp; Scortecci Editora; ISBN: 978-85-366-2764-9; (2012).

[4] “Jornada Rumo ao Sol”; Livro de Contos e Poesias; 132pp; Scortecci Editora; ISBN: 978-85-366-4181-2; (2015).

AQUISIÇÃO >> Como adquirir os livros?

Os livros podem ser adquiridos diretamente com o autor através do email jorgexerxes@gmail.com

Os preços, com frete incluso para todo o Brasil, são apresentados abaixo. Os preços valem para todos os livros, independente dos títulos escolhidos.

1 Livro: 31 reais (preço unitário, 31 reais)

2 Livros: 56 reais (preço unitário, 28 reais)

3 Livros: 75 reais (preço unitário, 25 reais)

4 Livros: 88 reais (preço unitário, 22 reais)

O autor solicitará o depósito em conta corrente referente ao valor da compra. Os livros serão enviados pelos Correios (carta registrada).

https://www.youtube.com/watch?v=iE1udvEQdOg