Lendo nos jornais, já na minguante desse mês de agosto de 2012, sobre o julgamento do mensalão – um esquema de corrupção do Executivo denunciado sete anos atrás – é difícil calar ante a minha indignação.

Se por um lado os envolvidos no esquema estão sendo condenados pelos seus crimes, se a imprensa de hoje tem “certa” liberdade para a expressão das ideias em maior sintonia com a gravidade dos fatos, a convalescença social brasileira parece-me ainda ter repercutido pouco frente a apatia dos cidadãos e o sorriso amarelo na cara da classe dominante.

Eu penso ser mesmo inconcebível que o alto nível dos Poderes Executivo e Judiciário – estes senhores que recebem contracheques ordens de grandeza superiores aqueles dos trabalhadores assalariados – esteja dispondo de tanto tempo e energia discutindo erros crassos, práticas internas tão evidentemente criminosas. O desvio de verba pública está anos-luz distante dos padrões mínimos de ética e de conduta profissional aceitáveis para os responsáveis pela administração do país.

Enquanto isso, o trabalhador assalariado – aquele que realmente paga o pão e o circo – sobrevive no limiar da dignidade humana. Convenhamos, a saúde pública, a educação pública, a infra-estrutura (o saneamento básico, a condição das vias e das praças) e a seguridade social mostram sinais inequívocos de sua falência iminente. Sim, estamos verdadeiramente flertando com uma falência múltipla de órgãos. E não adianta tapar o sol com a peneira da estatística, com essa lógica rasteira dos indicadores sociais: “se eu como muito e você come pouco então, na média, nos alimentamos bem.” Parece-me mesmo não termos evoluído muito desde o dia 13 de maio de 1888.

Morando no Rio de Janeiro há pouco mais de um mês, sinto-me ainda assombrado por essa cidade onde os contrastes mostram-se tão evidentes. Creio ainda não ter desenvolvido o sentido da visão seletiva. Por isso vejo o cartão postal mais bonito do Brasil maculado pela pior das chagas, pelo esgotamento do principal recurso de uma nação: o ser humano.

Precisamos urgentemente de coragem, de atitude, de um resgate da ética; de seres humanos realmente comprometidos uns com os outros – interessados em deixar um legado digno para os nossos filhos e para a nossa nação. Lugar de bandido é na cadeia, não no Planalto.

No último domingo, dia 12/08/2012, estive na Bienal do Livro de São Paulo para o lançamento de meu terceiro livro de contos, crônicas e poesias – “Trama e Urdidura”. Foi uma experiência e tanto. Vale ressaltar que nunca havia participado de um evento literário dessa proporção; tanto como leitor quanto como autor. E a trilha sonora do dia certamente foi o álbum “Bob Dylan’s Greatest Hits”, que eu havia adquirido no dia anterior, em versão cd. Lembro desse vinil girando ininterruptamente na vitrola da república em Barão Geraldo, nos idos de um mil novecentos e noventa e tanto: saudosos anos de Unicamp!

Foi muito gratificante participar da Bienal e poder contar com a presença de poucos, mas grandes amigos – pessoas realmente importantes em minha vida. Agradeço-os de coração!

Em meio àquele universo de livros, de pessoas ávidas pela leitura, se eu tenho uma crítica a fazer, essa diz respeito ao fato de que ainda lemos muito do mesmo. As obras clássicas – o que é bastante positivo – pois são textos que conseguiram tocar o inconsciente coletivo, atravessando gerações, acrescentando novos elementos e percepções à experiência humana nessa nossa pedra celeste. Mas também muitos livros sobre outros livros: explicando, imitando, parodiando ou mesmo distorcendo as obras supracitadas ou textos com alto grau de ineditismo – estes sim, em minha opinião, aqueles que são realmente relevantes. E, para terminar, uma avalanche de livros bastante superficiais: aqueles de autoajuda e uma miríade de romances insossos.

Independente disso, procurando bem, é possível encontrar textos literários de qualidade. Sim, pois vivemos um momento histórico de grande dinamismo, o que favorece a efervescência das ideias, aguça-nos a criatividade e os sentidos. Resultando daí obras contemporâneas com alto grau de ineditismo e relevância; embora sejamos ainda um tanto incompetentes em filtrar tamanho volume de informação, e muitas vezes sucumbimos às artimanhas de um mercado editorial fundamentado no lucro imediato em detrimento de um trabalho consistente e sério de depuração.

“Trama e Urdidura” é o último livro da trilogia dos “Livros Negros” de Jorge Xerxes; trilogia esta composta pelas obras “As Cinquenta Primeiras Criaturas” (2010), “Para Pescar a Lua” (2011) e “Trama e Urdidura” (2012). Quem lê atentamente “Trama e Urdidura” desvendará a origem do heterônimo Jorge Xerxes, sob o qual decidi assinar a minha produção literária. Também entenderá porque designei acima essas três obras como a trilogia dos “Livros Negros”.

Quem me acompanha de perto sabe que escrevo pouco. A experiência da escrita para mim resulta sempre num evento catártico. É como se eu fosse uma “pilha” absorvendo a “energia” do relacionamento humano, dos ambientes nos quais circulo, das experiências boas e ruins nas quais me vejo envolvido. Tudo isso vai sendo captado pelos meus sentidos, aumentando a tensão, crescendo dentro de mim em intensidade. E, de repente, num ímpeto de saturação, toda essa “energia” – estas impressões inconscientes – é transmitida, pelo processo de sublimação, para a composição de um conto ou de uma poesia. A conexão entre os textos é tênue, como são os laços que unem as gotas de um lago, ou as moléculas do ar. Tudo se mistura (e ao mesmo tempo não), tudo se agita, é uma escrita viva. Assim eu vejo a minha escrita.

Enfim, como escritor, não tenho a pretensão de ser melhor ou pior que ninguém. Acho que por isso minha obra pode soar, à primeira vista, fragmentada, sem pé nem cabeça, paradoxal. Pois faço absoluta questão de que aquilo que escrevo seja uma expressão sincera de minha alma – com suas angústias, inseguranças, alegrias, tristezas, amores e êxtases. Trocando em miúdos: quando você lê os meus textos eu gostaria que você usasse os meus óculos, que você enxergasse o mundo como eu o vejo. Isso pode te parecer por vezes assustador, maravilhoso, aterrorizante ou sublime. Mas faço votos de que, através de sua experiência pessoal da leitura usando esses meus óculos, você possa enxergar o mundo sob uma perspectiva diferenciada e ampla (assim como eu creio que aconteceria comigo, se eu pudesse usar os seus óculos). Quando eu te empresto meus óculos, dôo-te um pedaço do meu ser. 

Sob o mesmo céu

agosto 10, 2012

Ele dizia que a cidade grande não passava de um amontoado de braços, de pernas, de passos apressados em incessante movimento por entre as vias de piche. Dentro das enormes caixas de concreto, acondicionados às mesas das repartições, repousavam os corpos, com os dedos indicadores de suas mãos direitas a clicarem frenéticos os mouses, os olhos fixos no monitor. E resultaria daí a suspensão temporária da vida.

Dentro das barcas – ao sabor das ondas – ou ainda no sacolejar de velhos ônibus enferrujados, a rotina do transporte para a manutenção da metrópole, como que o fluxo sanguíneo a oxigenar um gigante organismo, nesse nosso eterno ir e vir.

Ele me disse que a vida – a verdadeira vida – habita os interstícios desse complexo de concreto e piche. Ela reside nas fendas. No burburinho às portas estreitas do botequim; a gargalhada sincera no bate-papo dos camaradas cujos destinos se cruzam no coletivo; na algazarra das crianças, brincando inocentes na areia da praia em pleno horário de expediente.

Expurgou as suas dores, contou dos seus amores, alguns temores e outros sonhos. Tudo isso ele despejou em meus ouvidos num breve instante; desses raros, nos quais a vida mostra-se plena. E não recordo ao certo onde foi que nos falamos; se o sol estava a pino, ou se fazia noite escura como o breu. Importa que aquela ideia fez com que eu refletisse. Estou vivo.