Este texto apresenta uma viagem ao espírito do rock brasileiro na década de oitenta. Sem a pretensão de ser um estudo abrangente sobre o assunto (veja dica de leitura ao final), explora quatro álbuns representativos e algumas músicas selecionadas destes discos (como eram chamados os vinis naqueles dias). Dezessete canções, para ser mais exato. O interesse aqui está mais nas letras dessas faixas, que dizem muito de quem viveu a adolescência nessa época em específico.

            

Eu ainda tenho estes álbuns, que comprei na época do lançamento de cada um deles, além de muitos outros – na verdade, uma coleção de pouco mais de trezentos discos de rock. Lembro com saudade daqueles tempos, em que economizava as minhas parcas economias para conseguir adquirir um disco a cada quinze dias, aproximadamente. Das muitas fitas cassete que gravávamos e trocávamos entre os amigos.

            

E tive a oportunidade de assistir a estes quatro shows, na época em que os respectivos álbuns foram lançados, com os hormônios correndo em altas concentrações pelo sangue, o coração na boca e aquele ímpeto juvenil. Todos eles no ginásio poliesportivo da Associação Atlética Caldense, em Poços de Caldas, MG; onde aconteciam os grandes shows de rock mais próximos da cidade em que nasci e vivi até o final da década de 80 – São João da Boa Vista, SP.

            

Acredito que esta seleção caberia bem numa fita cassete de 90 minutos (na verdade, ainda sobrariam alguns minutos, que poderiam ser preenchidos com Titãs ou Plebe Rude, por exemplo). Creio que este é um registro interessante para quem nasceu mais ou menos na mesma época que eu (não vou dizer o ano em que nasci, mas darei pistas).

           

Sem mais delongas, vamos aos álbuns e às canções, é o que interessa…

           

           

“Vivendo e não aprendendo”, álbum original da banda Ira! lançado no ano 1986. Este disco do Ira! se enquadra nos gêneros pós-punk e rock alternativo. Os integrantes da banda são: Nasi (vocal), Edgard Scandurra (guitarra e violão), Ricardo Gaspa (baixo) e André Jung (bateria). Edgard Scandurra é o principal compositor. Lado “A”: (1) Envelheço na Cidade; (2) Casa de Papel; (3) Dias de Luta; (4) Tanto Quanto Eu; (5) Vitrine Viva. Lado “B”: (1) Flores em Você; (2) Vivendo e Não Aprendendo; (3) Nas Ruas; (4) Gritos na Multidão; (5) Pobre Paulista.

            

Casa de papel: “Na dura frieza do dia a dia / Que você aprendeu, pobre Daniel / Que as respostas não caem do céu // O que vai restar a seu filho mais novo / Já que o aço foi trocado pelo plástico / E sua casa é de papel? // Será que o prazer de tocar sua guitarra / E a gratidão de chutar uma bola / Vão lhe render juros ou não? // Foram bons os tempos das descobertas da juventude / Mas hoje você gosta de pernas bem mais grossas / O padrão tão baixo da sua casa de papel / O seu filho mais novo, pobre Daniel! // E quando você está inseguro / Fazendo sempre as mesmas perguntas / Esperando respostas caírem do céu // O que vai restar a seu filho mais novo / Já que o aço foi trocado pelo plástico / E sua casa é de papel? // Você não vai ouvir nada do céu / Será que não notou que nós vivemos num inferno? / E o padrão caindo da sua casa de papel / O seu filho mais novo, pobre Daniel!”

             

Dias de luta: “Só depois de muito tempo / Fui entender aquele homem / Eu queria ouvir muito / Mas ele me disse pouco… // Quando se sabe ouvir / Não precisam muitas palavras / Muito tempo eu levei / Pra entender que nada sei / Que nada sei!… // Só depois de muito tempo / Comecei a entender / Como será meu futuro / Como será o seu… // Se meu filho nem nasceu / Eu ainda sou o filho / Se hoje canto essa canção / O que cantarei depois? / Cantar depois!… // Se sou eu ainda jovem / Passando por cima de tudo / Se hoje canto essa canção / O que cantarei depois?… // Só depois de muito tempo / Comecei a refletir / Nos meus dias de paz / Nos meus dias de luta… // Se sou eu ainda jovem / Passando por cima de tudo / Se hoje canto essa canção / O que cantarei depois?…”

               

Flores em você: “De todo o meu passado / Boas e más recordações / Quero viver meu presente / E lembrar tudo depois… // Nessa vida passageira / Eu sou eu, você é você / Isso é o que mais me agrada / Isso é o que me faz dizer… // Que vejo flores em você!…”

                 

Vivendo e não aprendendo: “Quando me sinto assim / Volto a ter quinze anos / Começando tudo de novo / Vou me apanhar sorrindo // Seu amor hoje / Me alimentará amanhã / Eis o homem / Que se apanha chorando // Vivendo e não aprendendo / Eis o homem, este sou eu / Que se diz seguro / Que se diz maduro // Seu amor hoje / Me alimentará amanhã / Eis o homem / Que se apanha chorando”

                  

                  

“Dois”, álbum original da banda Legião Urbana lançado em 1986 (quando eu tinha 15 anos). Este disco da Legião se enquadra nos gêneros pós-punk e rock alternativo. Os integrantes da banda são: Renato Russo (voz, teclados e violão), Dado Villa-Lobos (guitarra), Renato Rocha (baixo) e Marcelo Bonfá (bateria). Renato Russo é o principal compositor. Lado “A”: (1) Daniel na Cova dos Leões; (2) Quase Sem Querer; (3) Acrilic on Canvas; (4) Eduardo e Mônica; (5) Central do Brasil; (6) Tempo Perdido. Lado “B”: (1) Metrópole; (2) Plantas Embaixo do Aquário; (3) Música Urbana 2; (4) Fábrica; (5) Andrea Doria; (6) Índios.

 

Acrilic on canvas: “É saudade, então / E mais uma vez / De você fiz o desenho / Mais perfeito que se fez / Os traços copiei / Do que não aconteceu / As cores que escolhi / Entre as tintas que inventei / Misturei com a promessa / Que nós dois nunca fizemos / De um dia sermos três / Trabalhei você / Em luz e sombra // E era sempre: Não foi por mal / Eu juro que nunca quis deixar você tão triste / Sempre as mesmas desculpas / E desculpas nem sempre são sinceras / Quase nunca são // Preparei a minha tela / Com pedaços de lençóis / Que não chegamos a sujar / A armação fiz com madeira / Da janela do seu quarto / Do portão da sua casa / Fiz paleta e cavalete / E com as lágrimas que não brincaram com você / Destilei óleo de linhaça / Da sua cama arranquei pedaços / Que talhei em estiletes de tamanhos diferentes // E fiz, então / Pincéis com seus cabelos / Fiz carvão do batom que roubei de você / E com ele marquei / Dois pontos de fuga / E rabisquei meu horizonte // E era sempre: Não foi por mal / Eu juro que não foi por mal, eu não queria machucar você / Prometo que isso nunca vai acontecer mais uma vez / E era sempre, sempre o mesmo novamente / A mesma traição // Às vezes é difícil esquecer / Sinto muito, ela não mora mais aqui // Mas então, por que eu finjo / Que acredito no que invento? / Nada disso aconteceu assim / Não foi desse jeito / Ninguém sofreu / É só você / Que me provoca essa saudade vazia / Tentando pintar essas flores com o nome / De amor-perfeito / E não-te-esqueças-de-mim”

           

Tempo perdido: “Todos os dias quando acordo / Não tenho mais o tempo que passou / Mas tenho muito tempo / Temos todo o tempo do mundo // Todos os dias antes de dormir / Lembro e esqueço como foi o dia / Sempre em frente / Não temos tempo a perder // Nosso suor sagrado / É bem mais belo que esse sangue amargo / E tão sério // E selvagem / Selvagem / Selvagem // Veja o sol dessa manhã tão cinza / A tempestade que chega é da cor dos teus olhos / Castanhos // Então me abraça forte / E diz mais uma vez que já estamos / Distantes de tudo // Temos nosso próprio tempo / Temos nosso próprio tempo / Temos nosso próprio tempo // Não tenho medo do escuro / Mas deixe as luzes / Acesas agora // O que foi escondido / É o que se escondeu / E o que foi prometido / Ninguém prometeu / Nem foi tempo perdido // Somos tão jovens / Tão jovens / Tão jovens”

            

Fábrica: “Nosso dia vai chegar / Teremos nossa vez / Não é pedir demais / Quero justiça // Quero trabalhar em paz / Não é muito o que lhe peço / Eu quero um trabalho honesto / Em vez de escravidão // Deve haver algum lugar / Onde o mais forte / Não consegue escravizar / Quem não tem chance // De onde vem a indiferença / Temperada a ferro e fogo? / Quem guarda os portões / Da fábrica? // O céu já foi azul / Mas agora é cinza / O que era verde aqui / Já não existe mais // Quem me dera acreditar / Que não acontece nada / De tanto brincar com fogo / Que venha o fogo então // Esse ar deixou minha vista cansada / Nada demais”

              

Andrea Doria: “Às vezes parecia que de tanto acreditar / Em tudo que achávamos tão certo / Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais / Faríamos floresta do deserto // E diamantes de pedaços de vidro / Mas percebo agora que o teu sorriso / Vem diferente / Quase parecendo te ferir // Não queria te ver assim / Quero a tua força como era antes / O que tens é só teu / E de nada vale fugir / E não sentir mais nada // Às vezes parecia que era só improvisar / E o mundo então seria um livro aberto / Até chegar o dia em que tentamos ter demais / Vendendo fácil o que não tinha preço // Eu sei, é tudo sem sentido / Quero ter alguém com quem conversar / Alguém que depois / Não use o que eu disse contra mim // Nada mais vai me ferir, é que eu já me acostumei / Com a estrada errada que eu segui e com a minha própria lei / Tenho o que ficou / E tenho sorte até demais / Como sei que tens também”

                

Índios: “Quem me dera ao menos uma vez / Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem / Conseguiu me convencer que era prova de amizade / Se alguém levasse embora até o que eu não tinha // Quem me dera ao menos uma vez / Esquecer que acreditei que era por brincadeira / Que se cortava sempre um pano de chão / De linho nobre e pura seda // Quem me dera ao menos uma vez / Explicar o que ninguém consegue entender / Que o que aconteceu ainda está por vir / E o futuro não é mais como era antigamente // Quem me dera ao menos uma vez / Provar que quem tem mais do que precisa ter / Quase sempre se convence que não tem o bastante / Fala demais por não ter nada a dizer // Quem me dera ao menos uma vez / Que o mais simples fosse visto como o mais importante / Mas nos deram espelhos / E vimos um mundo doente // Quem me dera ao menos uma vez / Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três / E esse mesmo Deus foi morto por vocês / Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste // Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda / Assim pude trazer você de volta pra mim / Quando descobri que é sempre só você / Que me entende do início ao fim // E é só você que tem a / Cura pro meu vício de insistir / Nessa saudade que eu sinto / De tudo que eu ainda não vi // Quem me dera ao menos uma vez / Acreditar por um instante em tudo que existe / E acreditar que o mundo é perfeito / E que todas as pessoas são felizes // Quem me dera ao menos uma vez / Fazer com que o mundo saiba que seu nome / Está em tudo e mesmo assim / Ninguém lhe diz ao menos obrigado // Quem me dera ao menos uma vez / Como a mais bela tribo / Dos mais belos índios / Não ser atacado por ser inocente // Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda / Assim pude trazer você de volta pra mim / Quando descobri que é sempre só você / Que me entende do início ao fim // E é só você que tem a / Cura pro meu vício de insistir / Nessa saudade que eu sinto / De tudo que eu ainda não vi // Nos deram espelhos e vimos um mundo doente / Tentei chorar e não consegui”

            

            

“O passo do Lui”, álbum original da banda Os Paralamas do Sucesso do ano de 1984 (quando eu tinha 13 anos). Este disco dos Paralamas se enquadra nos gêneros new wave e ska. Os integrantes da banda são: Herbert Vianna (vocal e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria e percussão). Herbert Vianna é o principal compositor. A música “Assaltaram a Gramática” é de Lulu Santos e Waly Salomão. Lado “A”: (1) Óculos; (2) Meu Erro; (3) Fui Eu; (4) Romance Ideal; (5) Ska. Lado “B”: (1) Mensagem de Amor; (2) Me Liga; (3) Assaltaram a Gramática; (4) Menino e Menina; (5) O Passo do Lui.

             

Meu erro: “Eu quis dizer / Você não quis escutar / Agora não peça / Não me faça promessas // Eu não quero te ver / Nem quero acreditar / Que vai ser diferente / Que tudo mudou // Você diz não saber / O que houve de errado / E o meu erro foi crer / Que estar ao seu lado / Bastaria / Ah! Meu Deus / Era tudo o que eu queria / Eu dizia o seu nome / Não me abandone // Mesmo querendo / Eu não vou me enganar / Eu conheço os seus passos / Eu vejo os seus erros / Não há nada de novo / Ainda somos iguais / Então não me chame / Não olhe pra trás // Você diz não saber / O que houve de errado / E o meu erro foi crer / Que estar ao seu lado / Bastaria / Ah! Meu Deus / Era tudo o que eu queria / Eu dizia o seu nome / Não me abandone jamais”

                   

Romance ideal: “Ela é só uma menina / E eu pagando pelos erros que eu nem sei se eu cometi / Ela é só uma menina / E eu deixando que ela faça o que bem quiser de mim // Se eu queria enlouquecer essa é a minha chance / É tudo que eu quis / Se eu queria enlouquecer / Esse é o romance ideal // Eu não pedi que ela ficasse / Ela sabe que na volta / Ainda vou estar aqui // Ela é só uma menina / E eu pagando pelos erros / Que eu nem sei se cometi // Se eu queria enlouquecer essa é a minha chance / É tudo que eu quis / Se eu queria enlouquecer / Esse é o romance ideal”

                   

Mensagem de amor: “Os livros na estante / Já não tem mais / Tanta importância / Do muito que eu li / Do pouco que eu sei / Nada me resta // A não ser / A vontade de te encontrar // E o motivo eu já nem sei / Nem que seja só para estar / Ao teu lado só pra ler / No teu rosto / Uma mensagem de amor // A noite eu me deito / Então escuto / A mensagem no ar / Tambores rufando / Eu já não tenho / Nada pra te dar // A não ser / A vontade de te encontrar / E o motivo eu já nem sei / Nem que seja só para estar / Ao teu lado só pra ver / No teu rosto / Uma mensagem de amor // No céu estrelado / Eu me perco / Com os pés na terra / Vagando entre os astros / Nada me move / Nem me faz parar / A não ser / A vontade de te encontrar / E o motivo eu ja nem sei / Nem que seja só para estar / Ao teu lado só pra ler / No teu rosto / Uma mensagem de amor”

               

Me liga: “Eu sei, jogos de amor são pra se jogar / Ah, por favor, não vem me explicar / O que eu já sei, e o que eu não sei / O nosso jogo não tem regras nem juiz / Você não sabe quantos planos eu já fiz / Tudo que eu tinha pra perder eu já perdi / O seu exército invadindo o meu país / Se você lembrar, se quiser jogar / Me liga, me liga // Mas sei, que não se pode terminar assim / O jogo segue e nunca chega ao fim / E recomeça a cada instante a cada instante / Eu não te peço muita coisa só uma chance / Pus no meu quarto, seu retrato na estante / Quem sabe um dia eu vou te ter ao meu alcance / Ai como ia ser bom se você deixasse / Se você lembrar, se quiser jogar / Me liga, me liga // Eu não te peço muita coisa só uma chance / Pus no meu quarto seu retrato na estante / Quem sabe um dia eu vou te ter ao meu alcance / Ai como ia ser bom se você deixasse / Se quiser lembrar, se quiser jogar / Me liga, me liga”

              

              

“A Revolta dos Dândis” álbum original da banda Engenheiros do Hawaii lançado no ano de 1987 (quando eu tinha 16 anos). Este disco dos Engenheiros se enquadra nos gêneros pós punk e rock alternativo. Os integrantes da banda são: Humberto Gessinger (voz e baixo), Augusto Licks (guitarra) e Carlos Maltz (bateria). Humberto Gessinger é o principal compositor. Lado “A”: (1) A Revolta De Dândis I; (2) Terra De Gigantes; (3) Infinita Highway; (4) Refrão De Bolero; (5) Filmes De Guerra, Canções De Amor. Lado “B”: (1) A Revolta De Dândis II; (2) Além Dos Out-Doors; (3) Vozes; (4) Quem Tem Pressa Não Se Interessa; (5) Desde Aquele Dia; (6) Guardas Da Fronteira.

                

A revolta dos dândis I: “Entre um rosto e um retrato, o real e o abstrato / Entre a loucura e a lucidez / Entre o uniforme e a nudez / Entre o fim do mundo e o fim do mês / Entre a verdade e o rock inglês / Entre os outros e vocês // Eu me sinto um estrangeiro / Passageiro de algum trem / Que não passa por aqui / Que não passa de ilusão // Entre mortos e feridos, entre gritos e gemidos / (A mentira e a verdade, a solidão e a cidade) / Entre um copo e outro da mesma bebida / Entre tantos corpos com a mesma ferida // Eu me sinto um estrangeiro / Passageiro de algum trem / Que não passa por aqui / Que não passa de ilusão // Entre americanos e soviéticos, gregos e troianos / Entra ano e sai ano, sempre os mesmos planos / Entre a minha boca e a tua, há tanto tempo, há tantos planos / Mas eu nunca sei pra onde vamos”

              

Terra de gigantes: “Hey, mãe! / Eu tenho uma guitarra elétrica / Durante muito tempo isso foi tudo / Que eu queria ter // Mas, hey mãe! / Alguma coisa ficou pra trás / Antigamente eu sabia exatamente o que fazer // Hey, mãe! / Tem uns amigos tocando comigo / Eles são legais, além do mais / Não querem nem saber / Mas agora, lá fora / Todo mundo é uma ilha / A milhas e milhas e milhas / De qualquer lugar // Nessa terra de gigantes / Eu sei, já ouvimos tudo isso antes / A juventude é uma banda / Numa propaganda de refrigerantes // As revistas, as revoltas, as conquistas / Da juventude são heranças / São motivos pras mudanças de atitude / Os discos, as danças, os riscos / Da juventude / A cara limpa, a roupa suja / Esperando que o tempo mude // Nessa terra de gigantes / Tudo isso já foi dito antes / A juventude é uma banda / Numa propaganda de refrigerantes // Hey, mãe! / Já não esquento a cabeça / Durante muito tempo / Isso foi só o que eu podia fazer // Mas, hey, hey, mãe! / Por mais que a gente cresça / Há sempre coisas que a gente / Não pode entender // Por isso, mãe / Só me acorda quando o sol tiver se posto / Eu não quero ver meu rosto / Antes de anoitecer”

              

Infinita highway: “Você me faz correr demais / Os riscos desta highway / Você me faz correr atrás / Do horizonte desta highway / Ninguém por perto, silêncio no deserto / Deserta highway / Estamos sós e nenhum de nós / Sabe exatamente onde vai parar // Mas não precisamos saber pra onde vamos / Nós só precisamos ir / Não queremos ter o que não temos / Nós só queremos viver / Sem motivos, nem objetivos / Estamos vivos e isto é tudo / É sobretudo a lei / Da infinita highway // Quando eu vivia e morria na cidade / Eu não tinha nada, nada a temer / Mas eu tinha medo, medo desta estrada / Olhe só! Veja você / Quando eu vivia e morria na cidade / Eu tinha de tudo, tudo ao meu redor / Mas tudo que eu sentia era que algo me faltava / E, à noite, eu acordava banhado em suor // Não queremos lembrar o que esquecemos / Nós só queremos viver / Não queremos aprender o que sabemos / Não queremos nem saber / Sem motivos, nem objetivos / Estamos vivos e é só / Só obedecemos a lei / Da infinita highway // Escute garota, o vento canta uma canção / Dessas que a gente nunca canta sem razão / Me diga, garota: Será a estrada uma prisão? / Eu acho que sim, você finge que não / Mas nem por isso ficaremos parados / Com a cabeça nas nuvens e os pés no chão / Tudo bem, garota, não adianta mesmo ser livre / Se tanta gente vive sem ter como viver // Estamos sós e nenhum de nós / Sabe onde quer chegar / Estamos vivos sem motivos / Que motivos temos pra estar? / Atrás de palavras escondidas / Nas entrelinhas do horizonte / Dessa highway / Silenciosa highway // Eu vejo um horizonte trêmulo / Eu tenho os olhos úmidos / Eu posso estar completamente enganado, posso estar correndo pro lado errado / Mas A dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza / Eu vejo as placas dizendo / Não corra, Não morra, Não fume / Eu vejo as placas cortando o horizonte, elas parecem facas de dois gumes // Minha vida é tão confusa quanto a América Central / Por isso não me acuse de ser irracional / Escute garota, façamos um trato / Você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato / Eu posso ser um Beatle, um beatnik / Ou um bitolado / Mas eu não sou ator, eu não tô à toa do teu lado / Por isso, garota, façamos um pacto / De não usar a highway pra causar impacto // Cento e dez / Cento e vinte / Cento e sessenta / Só pra ver até quando / O motor aguenta / Na boca, em vez de um beijo / Um chiclet de menta / E a sombra do sorriso que eu deixei / Numa das curvas da highway / Infinita highway”

                  

Desde aquele dia: “Desd’aquele dia / Nada me sacia / Minha vida tá vazia / Desd’aquele dia / Parece que foi ontem / Parece que chovia / Um rosto apareceu / (Uma heroína) / O rosto era o seu / (Seu rosto de menina) / Parece que foi ontem / Parece que chovia // Desd’aquele dia / Minhas noites são iguais / Se eu não vou à luta / Eu não tenho paz / Se eu não faço guerra / Eu não tenho mais paz / Não aguento mais / Um dia mais, um dia a menos / São fatais / Pra quem tem sonhos pequenos / Sonhos tão pequenos / Que nunca têm fim // Eu só queria saber / O que você foi fazer no meu caminho / Eu não consigo entender / Não consigo mais viver sozinho”

              

              

Todas as letras das músicas foram extraídas do site https://www.letras.mus.br/ Isso vale para as dezessete canções elencadas. Para quem quiser se aprofundar no assunto, recomendo o ótimo “Dias de luta, o rock e o Brasil dos Anos 80”, do jornalista Ricardo Alexandre, 432 páginas, Editora Arquipélago, 2013, ISBN: 8560171398. Trata-se de um livro muito agradável de ler e fruto de extensa pesquisa. Bem interessante também por relacionar o rock nacional e o seu desenvolvimento ao contexto social e político daquela década.

               

Uma opinião pessoal

abril 28, 2017

um4 0p1n140 p35504l :: Em dias como estes que estamos vivendo no Brasil, vejo muita polarização das ideias. Alguém é a favor daquilo, outro é a favor disso. De repente, a gente se esquece de que somos todos seres humanos. Ninguém (em Absoluto) é Dono da Verdade. Esquecemos-nos que Dependemos (Todos) Uns dos Outros. E a melhor solução é aquela que satisfaz a totalidade da população. Vale lembrar que a grande maioria das Famílias do nosso País é extremamente pobre, não tem acesso às necessidades básicas, ao estudo, à saúde. Sim, somos um País orquestrado por minorias, que precisam entender que não há mais de onde tirar riqueza, se não abrirem mão de conchavos, da corrupção, de negociatas, de obras grandiosas que não trazem benefício para a maioria da população, a não ser para interesses próprios. Olhar Menos para o Próprio Umbigo. Estão sufocando um grande organismo que se chama Brasil. É pequeno pensar que não fazemos parte disso. Afinal, Somos Todos Brasileiros.

                 

Sobre a imagem: A cor é uma percepção visual provocada pela ação de um feixe de fótons sobre células especializadas da retina, que transmitem através de informação pré-processada ao nervo óptico, impressões para o sistema nervoso.

A cor de um objeto é determinada pela frequência da onda que ele reflete. Um objeto terá determinada cor se não absorver os comprimentos de onda que correspondem àquela cor. Assim, um objeto é vermelho se absorve preferencialmente as frequências fora do vermelho.

A cor é relacionada com os diferentes comprimentos de onda do espectro eletromagnético. São percebidas pelas pessoas, em faixa específica, e por alguns animais através dos órgãos de visão, como uma sensação que nos permite diferenciar os objetos do espaço com maior precisão.

Considerando as cores como luz, a cor branca resulta da sobreposição de todas as cores primárias (verde, azul e vermelho), enquanto o preto é a ausência de luz. Uma luz branca pode ser decomposta em todas as cores (o espectro) por meio de um prisma. Na natureza, esta decomposição origina um arco-íris. Ref.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cor

                  

            

Esta é uma simples composição a partir de fragmentos do romance Enquanto Deus Não Está Olhando, de Débora Ferraz. O livro de 368 páginas, publicado em sua primeira edição pela Editora Record, foi o vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2014. Espero que este texto ajude a divulgar o romance, cuja leitura vale muito à pena!

            

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Quando meu pai foi embora, a casa, subitamente, tornou-se obsoleta. Como se a decoração estivesse, agora, completamente fora de moda. Não faz sentido. Foi só uma semana, meu Deus! E nessa semana a casa tinha se tornado um mausoléu. Eu caminhava meio cabreira dentro dela. Ficou inexplicavelmente escura, como se tivesse mudado e o sol já não entrasse mais pela janela. (página 28)

 

A vontade de chorar vinha o tempo inteiro ultimamente, e por um segundo pensei: Meu pai se transformou em dígitos. Espalhado no inventário da casa, no valor do sedã que ficou na garagem, em contas espalhadas no Fundo de Garantia, na minha conta, na conta da minha mãe, na conta do meu irmão. Meu pai se depositaria distribuído em 50% para a esposa, 25% para cada um dos filhos, em parcelas. De vários pontos, em números reais positivos em umas partes, negativos em outras. Meu pai transformou-se em números, como em um tolo espetáculo de mágico amador que não sabia desfazer o truque. Olhei para o advogado querendo dizer-lhe: “Moço.” Então lhe olharia atencioso com seus papéis miraculosos e eu pediria: “Não podemos transformar esses números em meu pai, de novo?” (página 143)

 

Eu queria voltar ao ponto no qual o deixei sozinho e dizer-lhe: são laços delicados, pai. Rompem e ficam irrecuperáveis do dia pra noite. Nosso abandono precede o nosso encontro. Vem tudo de antes, muito antes, de nós dois. (página 119)

 

Eu era incapaz de chegar a um lugar e dizer o que eu queria. Sempre envolvida pelas possibilidades de estar querendo – ou acreditando querer – a coisa errada. Sempre que eu ia a uma lanchonete com o meu pai, eu precisava ver o cardápio inteiro, todas as vitrines de bolos, ponderando, desesperadamente, sobre as opções. Ele sempre se impacientava com isso. Em lanchonetes, ele caminhava decidido ao balcão e, sem perguntar o que serviam, sem ter em mãos o cardápio, pedia: Um misto quente e um café. Ele não se preocupava com as opções. E por que deveria? Eu é que tive opções demais na vida. Ele, não. Ele sabia o que queria. Adaptou-se ao fato de que qualquer birosca ofereceria misto quente e café. Ele teve uma só possibilidade.

– Tem que ser simples – ele dizia. (página 179)

 

A viagem não podia ter sido mesmo confortável. Eu estava partida, e Vinícius, ao meu lado, se machucava com os cacos. (página 14)

 

– Você vai querer me dizer que isso é muito natural? Que pais abandonam filhos e esposa neste estado? Veja só como estou.

– É natural, sim – ele diz, guardando o frasco –, mas não deixa de ser foda. É aí que entra a bebida. (página 10)

 

O estado de espírito leve havia ficado no quarteirão anterior. Ele sabia. O sol estava se pondo e aquela gravidade entre Vinícius e mim, agora, mais constrangia que machucava. Ele não sabia lidar com metáforas e todas as nuances da dor que eu arrastava e que ele, sem querer, acabava carregando junto, não como cúmplice, mas como um refém que vê tudo, e precisa colaborar para sobreviver, mas, simplesmente, não entende o mecanismo daquilo. (página 79)

 

Ele traga o cigarro com prazer, defende-se do sol debaixo da árvore e da crítica dos outros. Não é permitido fumar.

Escondo-me melhor por trás da janela basculante. Tenho que observar os detalhes. O cigarro é a mais nova invenção dos baixos teores (noto o padrão: no decorrer dos anos a cor do filtro vai clareando e as marcas na embalagem deixam o vermelho para variar entre gradações de azul, chegam ao tom prateado e agora são brancas). Suas unhas parecem arroxeadas. Ele também não fez a barba. A camisa, furada, foi minha mãe quem deu de presente em um Natal distante. Interrogo em silêncio para onde ele olha. (página 31)

 

Minha mãe já está lá quando entro. Escorada no espaço da porta dos fundos. Olhando, assim, para o nada que se perdia na parede salpicada, tomada de musgo, como se estivesse catatônica. Um cigarro numa das mãos, xícara de café na outra. Por um segundo penso em sair dali. Talvez ela não tenha me visto entrar. (página 36)

 

Então trocou, rapidamente, o disco e voltou rebolando ao som de um samba-canção regravado. Completamente bêbada, fazendo o vestido vermelho balançar. Sorri com o nó que se formou na minha garganta quando naquela imagem vi meu próprio pai cantarolando os versos de “A volta do boêmio”. No passo trôpego dela, eu o via em sua solidão ébria. Decadência era a palavra, mas não era qualquer uma, e sim uma decadência terna dos que não pararam de sonhar. (página 195)

 

Porque daquela vez tivemos todos muito medo. Ele garantia ter visto a morte de perto. Disse a mesma coisa quando veio o primeiro trombo venoso e quando se internou por tantas outras coisas. Esse era o problema. Ele via a morte com freqüência demais. E tudo que a gente vê demais, olho ao redor – a escrivaninha, a cama, a parede do meu quarto pintada de azul, a camisa de flanela de Vinícius –, tudo que a gente vê demais acaba se tornando invisível. (página 186)

 

Além do peso do meu corpo e algumas culpas, carrego comigo o fardo dessa falta. Ela que chega em madrepérola. Essa coisa só, que se arrasta comigo fazendo vultos pelos lados. Será imortal?

Segurei forte as mãos do meu fantasma. Temos andado abraçados e concretos. Temos sido tão pouco. Sou apenas eu de mãos dadas a esperanças que nem são reais. Eu as pinto em tinta a óleo e me convenço de que são minhas. (página 345)

 

Foi numa luta dessa natureza que troquei os sapatos de camurça azul Klein por um de verniz preto e, com certa descrença, cumpri todo o resto do processo: igualar o tom de pele com base, criar efeitos de pontos de luz, sombras e profundidade. Técnica: base, pó, blush (entre outros pozinhos coloridos) sobre a pele. Além de secar os cabelos com secador e escova, usar perfume, lingerie e vestir, delicadamente, a roupa. (página 282)

 

E ela me abraça, os fogos explodem e então eu começo a chorar como se tivesse acabado de acontecer. Enquanto os fogos explodem, o som deles se mistura ao de vários espumantes que espocam, milhares de pessoas a nossa volta batem as taças. E todas elas se abraçam. E ela quer me abraçar, quer fazer com que eu me sinta melhor. Quer que eu a faça sentir-se melhor. (página 221)

 

Primeiro era gostar da cerveja em ondas macias. Uma onda a rebentar. Um mergulho em útero macio. Depois era gostar da espuma com os lábios finos e roxos. Passando o inferior pelo superior, limpando um bigode inexistente há dez anos. Ar. Depois era sentir o gelo no estômago. Aquela sozinhez inteira de faltar raízes. (página 228)

 

– E sempre ao final ficamos não apenas com a impressão de ter feito tudo errado, mas que o outro havia feito, também, tudo errado. Passar o réveillon com você foi a melhor coisa que poderia ter acontecido.

– Você ia morrer afogada.

– Bom, então você salvou minha vida. (página 269)

 

Não havia nada de errado com aqueles sonhos. Mas eu duvidava que isso pudesse se tornar realidade. Pensava, ao mesmo tempo, nos milhares de quinquilharias acumuladas por ele mesmo dentro do quarto. Eu via que ele já havia passado da adolescência e que apesar de ter sido um dos mais brilhantes do colégio não tinha alcançado um desempenho muito superior ao dos outros quando saiu dele. Isso eu não dizia para ele, mas pensava quanto exatamente custaria chegar aquele ponto. A essa solidão sagrada. Eu pensava na história da garota que tinha dispensado ele. Todos os sonhos dele exigiam desapego. Um desapego que ele parecia ostentar. Um desapego que era milimetricamente trabalhado em cada uma de suas aspirações e gestos. Em não ter carro, namorada, em não depender da família. (página 189)

 

As palavras são como cores. Misturando na proporção certa, é possível chegar a qualquer gradação. E eu não encontrava nenhuma. (página 37)

 

– Olhando você fazer, dá vontade de fazer também. Parece a coisa mais interessante do mundo.

– É… – concordei. – São coisas pequenas que salvam a vida. (página 271)

 

Acordei num salto quando vi que Vinícius estava ao meu lado.

– Calma – ele disse, e eu o abracei com força.

– Você me deixa mais perto – eu disse, como se a frase fizesse parte de um sonho quebrado. Não saberia explicar.

– Perto do quê?

Mas não respondi nada. Apenas fechei os olhos e me deixei acolher. (página 251)

 

            

Earth Station

abril 6, 2017

         
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Image: Skylab as photographed by its departing final crew

         

A minha história em 3D

abril 1, 2017

      

Eu fui sendo levada pelo rio, arrastada pela força de suas águas, eu vi peixes, até que eu me acomodei num depósito aluvial, numa curva de rio, e lá eu fiquei confinada, entre outros sedimentos, porque a correnteza já não me levava. Não era isso que eu tinha nos meus planos. Mas isso foi antes, muito antes.

     

E um dia ela quis fazer para você um poema, como um daqueles de Vinícius de Moraes ou de Chico Buarque, mas ela não era poeta. E aquelas suas poesias lhe pareciam muito estranhas, como vórtices, com um gargalo muito estreito, quase hermético, na sua capacidade de absorver silêncios, mesmo em meio a tantas palavras. Ela achava aquelas tuas poesias até bonitinhas, só que elas não lhe diziam nada. Mesmo assim, ela queria fazer um poema para você.

     

O mundo dá voltas. O tempo passou e um dia eu fui recolhida. Fizeram então um bloco úmido de mim, in natura, como tantos outros blocos, dispostos numa prateleira. Era então essa a minha sina. Uma espécie de corpo amorfo, despido de qualquer significado senão minha própria matéria, sem um espírito a me animar. E não era isso que eu tinha nos meus planos.

      

Olha cara, eu te amo, mas o plantio nesse terreno tem pouca chance de ser fértil, porque o meu coração já derramou lágrimas demais. E eu preciso de atenção, de segurança, de carinho; assim como aqueles que eu dispenso para com as plantas do meu jardim. E eu sinceramente não sei se você é capaz disso. Eu preciso que você me prove, mas as provas podem doer em você muito mais do que você é capaz de suportar. E será então, que valerá a pena para você? Ou você se perderá no caminho, assim como eu certa vez me perdi? Eu quero você caminhando ao meu lado, mas você precisará entender da minha dor, aceitar-me como sou e, ainda assim, achar isso bom. Olha cara, eu te amo, mas seja o que Deus quiser. Era essa a poesia que ela queria escrever. Mas isso não era poesia. E ela não a escreveu.

       

Eu sei disso porque um dia ela me tomou em suas mãos e me modelou carinhosamente, imbuindo-me de um espírito, de um significado enquanto me acariciava, definindo em mim curvas doces, superfícies suaves, com as suas mãos molhadas na água, para o acabamento final. Depois, com um palito de dentes, ela tatuou signos em ambos as superfícies abaloadas com a sua mão canhota. Estes signos que eu não sei dispor em palavras. Do que eu já pude descrever, dá pra você imaginar que eu não fui alfabetizada, mas eu posso senti-los, porque eles já fazem parte de mim.

       

E, sem nenhum aviso, ela me tocou no fogo alto do forno, me deixando lá por mais de três horas! Depois pincelou a superfície cuidadosamente com verniz acrílico, revestindo-me de carinho, de esperança. Para que eu renascesse da argila, na forma de um coração.

         

Sempre que eu penso nisso, em vir a ser o que eu sempre quis, agradeço a ela por ter tido a ideia de acreditar na minha matéria simples, no barro, como meio de expressão mais sublime. E esta história eu escrevi para você, que cuida de mim com zelo, mesmo depois de tanto tempo.

       

Olha cara, um dia o mundo vai acabar. Um asteroide gigante vai se chocar com a Terra e você sabe disso, só finge que não sabe. Isso já aconteceu antes, bem antes. Esse seu planetinha comparado ao céu, é como um grão de caulinita, de ilita, ou de vermiculita, sendo levado através do leito de um rio pelo poderoso fluxo hidrodinâmico, um único grão, como um dia eu fui. Mas enquanto isso não acontece, enquanto há vida, cuida de mim, que eu cuido de você. Isso ela não disse, não escreveu, sou eu que estou te dizendo.