Mau juízo

abril 19, 2013

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Não dou bola para as pessoas do prédio onde eu moro. Elas não são confiáveis.

As pessoas, do prédio onde eu moro, pensam que tenho uma vida social ativa, muitas amigas e amigos.

Entretanto, essas mesmas pessoas, do prédio onde eu moro, ignoram por completo minha exímia habilidade gastronômica. Elas também não sabem que divido meu pequeno apartamento com uma estátua em escala de redução 1:3 de Virgulino Ferreira.

Algumas dessas pessoas, do prédio onde eu moro, simplesmente desconhecem que Virgulino Ferreira foi um grande mestre na empunhadura de seu facão. É exatamente por esta sua qualidade, dentre tantos defeitos que lhe são atribuídos, que admiro Virgulino Ferreira.

As pessoas, do prédio onde eu moro, nunca viram uma única criatura, senão eu, deixar o apartamento.

E eu, só engordando.

Daí os malentendidos…

Virgulino Ferreira é mudo e não dá com a língua nos dentes.

Não vá, você, fazer mau juízo.

As pessoas, do prédio onde eu moro, nunca me viram entrar acompanhado.

O poema mudo

abril 17, 2013

Olá Rafael de Salles Levy, Tudo bem? Desculpe-me de antemão por escrever sobre os meus anseios e expectativas sem ainda nos conhecermos pessoalmente. Eu gosto muito de literatura, especialmente da brasileira contemporânea, que acompanho já há algum tempo. Sou engenheiro e trabalho aqui no centro do Rio; faz oito meses que me mudei do interior de SP para Niterói em busca de oportunidade melhor. A minha vida é corrida, tenho meus Filhos e Namorada no interior de SP, viajo quase todos os finais de semana para encontrar-me com Eles. Além disso, adquiri esse hábito maldito de escrever, sempre que ideias estranhas me sopram a cabeça. Isso consome bastante tempo e energia. Mas é uma atividade que me traz, sobretudo, alguma satisfação quando consigo um resultado estético interessante, após múltiplas agitações e as diluições sucessivas: enfim, a Arte. Daí os três monstros de papel vieram: uns quatrocentos exemplares de cada um de meus livros, que dividem comigo o apartamento em Niterói, sem pagar o aluguel. A gente escolhe muito cedo o que faz da vida, acho que se fosse começar de novo faria psicologia, para tentar me entender. Enfim, de tanto pensar, não cheguei à conclusão alguma. Acumulei material para outro volume, mas ando com pena das árvores, de suas folhas; elas também têm o direito à vida, e o meu apartamento não suporta outro desses monstros. Tenho dúvidas se o mundo os absorveria, também se este seria um comportamento sustentável, livre da emissão de carbono. Não entendo muito da dinâmica do mercado literário. Tenho apenas observado de longe: percebo que os Escritores nacionais contemporâneos são um bocado corporativos e existe uma tendência às reverências recíprocas, circulares – afinal são seres humanos – e o Rio dá as cartas em termos daquilo que deve ou não ser consumido (numa análise fria dos dados, o lado engenheiro aflorando). Isso tem o seu lado 80m e também o seu lado perverso. De uns anos para cá ficou fácil publicar livros, e algumas pequenas editoras alimentam-se das ilusões de pretensos escritores e poetas. É preciso peneirar o joio do trigo. Mas acho que não existe um filtro realmente eficaz (senão o tempo): enquanto parte da substância fica às margens desse processo, ainda há muito conteúdo de baixa qualidade sendo escoado pelo mercado. Perdem-se leitores e os escritores; além de uns dos outros. Acho interessante o trabalho que Você vem fazendo como curador ou responsável pela obra do Rodrigo. Por isso decidi escrever; gostaria de saber se Você poderia ajudar-me de alguma forma? Mesmo que para detonar de vez o projétil contra o céu de minha boca (tipo: o pior cego é aquele que não quer ver). Abraços and keep on moving, Jorge.

ps: “Por isso digo que não vivo. Sou um sobrevivente.” Esse livro é mesmo de uma lucidez estupefaciente!

O poema surdo

abril 14, 2013

Olá Rodrigo, Tudo bem? Desculpe-me de antemão por escrever sobre os meus anseios e expectativas sem termos nos encontrado pessoalmente em vida. Eu gosto muito de literatura, especialmente da brasileira contemporânea, que acompanho já há algum tempo. Sou engenheiro e trabalho aqui no centro do Rio; faz oito meses que me mudei do interior de SP para Niterói em busca de oportunidade melhor. A minha vida é corrida, tenho meus Filhos e Namorada no interior de SP, viajo quase todos os finais de semana para encontrar-me com Eles. Além disso, adquiri esse hábito maldito de escrever, sempre que ideias estranhas me sopram a cabeça. Isso consome bastante tempo e energia. Mas é uma atividade que me traz, sobretudo, alguma satisfação quando consigo um resultado estético interessante, após múltiplas agitações e as diluições sucessivas: enfim, a Arte. Daí os três monstros de papel vieram: uns quatrocentos exemplares de cada um de meus livros, que dividem comigo o apartamento em Niterói, sem pagar o aluguel. A gente escolhe muito cedo o que faz da vida, acho que se fosse começar de novo faria psicologia, para tentar me entender. Enfim, de tanto pensar, não cheguei à conclusão alguma. Acumulei material para outro volume, mas ando com pena das árvores, de suas folhas; elas também têm o direito à vida, e o meu apartamento não suporta outro desses monstros. Tenho dúvidas se o mundo os absorveria, também se este seria um comportamento sustentável, livre da emissão de carbono. Não entendo muito da dinâmica do mercado literário. Tenho apenas observado de longe: percebo que os Escritores nacionais contemporâneos são um bocado corporativos e existe uma tendência às reverências recíprocas, circulares – afinal são seres humanos – e o Rio dá as cartas em termos daquilo que deve ou não ser consumido (numa análise fria dos dados, o lado engenheiro aflorando). Isso tem o seu lado bom e também o seu lado p3rv3r50. De uns anos para cá ficou fácil publicar livros, e algumas pequenas editoras alimentam-se das ilusões de pretensos escritores e poetas. É preciso peneirar o joio do trigo. Mas acho que não existe um filtro realmente eficaz (senão o tempo): ainda há muito conteúdo de baixa qualidade sendo escoado pelo mercado, enquanto parte da substância fica às margens desse processo. Perdem-se escritores e os leitores; além de uns dos outros. Acho interessante o trabalho que Você vem fazendo ao deixar a curadoria ou responsabilide de sua obra com o Rafael de Salles Levy. Por isso decidi escrever; gostaria de saber se Você poderia ajudar-me de alguma forma? Mesmo que para detonar de vez o projétil contra os meus ouvidos (tipo: o pior cego é aquele que não quer ver). Abraços and keep on moving, Jorge.

ps: Lamento quanto ao incidente do japonês com a zarabatana.

Minante

abril 13, 2013

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Os movimentos em defesa das minorias

– as causas perdidas –

geram discussões acaloradas

enquanto os grandes se alimentam dos pequenos,

usando-os como palanques,

espezinham-lhes em busca do brilho de holofotes.

E fodam-se os índios

que precisam das barcas para chegar ao trabalho,

fodam-se os pobres,

os sem saúde

e todos aqueles sem acesso à educação.

Se você não escreve direito

ou não tiver nascido em berço esplêndido

não tem vez.

Essa última inclusive é a

condição

de ter minante.

System failure

abril 5, 2013

Meu amigo partiu. Diogo tinha adquirido o seu celular dual chip fazia duas semanas. Foi um acidente de percurso. Deu com a cabeça numa quina frágil do meio-fio. Pedra recoberta de liquens, até o concreto da cidade apreende a vida, ao seu tempo. Por engano ligou para o seu número, de um chip para outro, o celular explodiu. Assim ficou registrado na causa mortis. O impacto da cabeça contra a rigidez da via, esbagaçando em vermelho os seus miolos. Ao final do mês as contas de ambas as operadoras atestavam a ligação derradeira – contra si mesmo.

É triste saber das ideias que se encontravam antes aninhadas num mesmo fardo esparramarem-se amorfas. Dizem ser esta a matéria-prima que move as funerárias, os papa-defuntos, os traficantes de órgãos e os coveiros. Bom para eles. Sentirei falta de meu amigo Diogo.

Agora o resto é objeto de disputa entre anjos e demônios. Não é certo que tenha um ou outro direito sobre a sua alma por completo. Este é o senso comum, mas quanto a isso não existem provas irrefutáveis ou mesmo evidências científicas. E não sei de ninguém que tenha retornado do purgatório com respostas.

É consenso que Diogo não era bom nem mau e habitavam-lhe certas incongruências de caráter, como acontece com a toda a gente.

Penso se a questão não seria digna da instauração de uma CPI, mas rapidamente refuto a hipótese: Diogo era de natureza simples, ignara, praticamente um matuto transmudado à cidade.

Ele foi engolido pela terra. A travessa e o calçamento varridos pelas chuvas. Noutro dia o sol irrompeu o firmamento. E na manhã seguinte também.

Guardo comigo minhas cismas e achismos.

Resignado, aguardo minha vez.  

 *    *    *

Caminho a margem de extenso muro, os tijolos expostos como células, colados na velha argamassa de cimento, recoberta de liquens, até ao concreto o tempo dá vida. Escura e úmida a bruma, seguem os mistérios junto a mim. A segurança de poucos passos, em desafio a pretensa razão, são sendas desse destino vacilante, circunscrito ao brilho de uma tênue lamparina, ermo ao vagar. As rajadas de vento figuram tormentas de meter medo e as sombras na parede aludem às bizarras criaturas; porém estas não passam de fantasmas a habitar minha mente. Nada disso me abate ou desanima por inteiro, meu São Jorge me proteja, enquanto o muro está à margem, dos labirintos dessa vida, o fio da meada, ou a porta de saída, eu ainda acho um dia.