ah, o mar! o mar não existe

o mar não se dobra ao tempo
revolve fluido a si mesmo
em ondas
existe apenas na ideia da água,
em algas marinhas
ou na cabeça dura de alguns peixes
sopa ou cozido de aminoácidos
mar que é moenda de pedras,
progenitor da areia
que servirá, quiçá,
para a feitura do vidro
que abraçará um dia a areia
em ampulheta
matriz dos ciclos
se o mar flutua sobre a terra
por sua vez ela boia no ar
e sequer a gravidade existe
resta o mar rarefeito
éter que a tudo permeia
consciência inominável
daquilo que é
amor

Golden Ratio Heart

janeiro 2, 2022

“Os espíritos, disse ele nascem condores ou andorinhas, ou ainda outras espécies intermediárias. A uns é necessário o horizonte vasto, a elevada montanha, de cujo cimo batem as asas e sobem a encarar o sol; outros contemplam-se com algumas braças de espaço e um telhado em que vão esconder o ninho. Estes eram os obscuros, e, na opinião dele, os mais felizes. Não seduzem as vistas, não subjugam os homens, não os menciona a História em suas páginas luminosas ou sombrias; o vão do telhado em que abrigaram a prole, a árvore em que pousaram, são as testemunhas únicas e passageiras da felicidade de alguns dias. Quando a morte os colhe, vão eles pousar no regaço comum da eternidade, onde dormem o mesmo perpétuo sono, tanto o capitão que subiu ao sumo estado por escada de mortos, como o cabreiro que o viu passar uma vez e o esqueceu em duas horas.”

– Excerto de “Helena”, Machado de Assis, 1876.

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