O Ponto Sem Retorno

julho 23, 2021

O Ponto Sem Retorno :: Romance de Ficção

Sinopse:

Entre encontros e desencontros, ora propiciados por evidente causalidade, ora oriundos de eventual desordem, o romance O Ponto Sem Retorno usa a interação entre Ferdnand, que sonha com trechos de seus livros favoritos, e Malena, que é retirada abruptamente de seu pacato cotidiano, como fio condutor para a tessitura das várias camadas sobrepostas e postas à disposição do leitor através de abstrações sobre viagem no tempo, espiritualidade, filosofia, natureza e atemporalidade. Não é exagero dizer que há um universo contido nessa obra. Prosa, poesia, reflexões e até trilha sonora podem ser apreciados ao longo das páginas, assim como a possibilidade da descoberta dos poderes latentes no íntimo de cada um de nós. Um livro diferente de tudo o que você já leu.

Nota da Autora:

Esta pequena obra, O ponto sem retorno, foi escrita ao longo de dois meses e meio, mais especificamente, de 12 de julho até 25 de setembro do ano de 2020.

Quando duas pedras se atritam advém delas uma centelha. Uma centelha não é uma pedra, mas carrega em si a semente da pedra, que é a essência de toda a natureza.

E assim, essa pequena obra nasceu como transubstanciação de seus elementos.

Foi um processo intenso, criativo, prazeroso e amoroso cujo universo o leitor está prestes a adentrar.

Ao longo da escritura desse livro muitas sincronicidades puderam ser observadas. Isso corrobora a ideia de que esta pequena obra veio ao mundo por si mesma. Não há melhor forma de explicar esse processo do que admitir que ele existe, que ele sempre existiu como potencialidade no inconsciente coletivo e que ele é eterno; uma vez que é intrínseco à natureza dos fenômenos.

Apenas para fim de crédito dos direitos autorais, vale mencionar que o capítulo 25 apresenta excertos da obra O livro de areia (1975) de Jorge Luis Borges e que o capítulo 27 apresenta trechos da obra Terra dos homens (1939) de Antoine de Saint-Exupéry.

Se você está prestes a iniciar a leitura dessa pequena obra, certamente há uma razão para isso.

Que ao final desse livro você seja capaz de se aperceber da centelha primordial e de suas sutis conexões que compreendem àquilo que denominamos vida.

Malena Ferdnand, Terra, 18 de novembro de 2020.

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Teatro

julho 2, 2021

The theatre of Delphi and the temple of Apollo below (4th century BCE).

Primeiro Ato: Só o bullying educa

A vida é mesmo coisa que vem de antes. Mas esta é apenas a minha primeira (in)consciência. Assim, eu fui crescendo e “ganhando corpo” em consciência e organização. Mimetizei o comportamento desse meu criador silencioso, que velava incessantemente por mim. Mas, passado algum tempo – que eu saberia depois, noutra vida, ser aquele o intervalo entre cinco ou seis meses – começamos a nos desentender. Achei que eu fosse sucumbir ante a tensão desoladora, que eu fosse mesmo morrer. E, quando esse sentimento era quase uma certeza: Eu nasci. Envolveu-me carinhosamente em seus braços e deu-me de mamar, a minha mãe. Porém, hoje – velho, decrépito e em estado terminal – prevaleceu-me a impressão de que a vida estava escorrendo através dos vãos de meus dedos. Sou uma luz que ascende, mas não há palmas no rio da vida. “Sim; Sócrates, Glauco e Adimanto foram irmãos gêmeos univitelinos”, sussurram-me aos meus ouvidos. Só o bullying educa!

Segundo Ato: Rien ne se perd, rien ne se crée

Um gigantesco aerólito penetra à atmosfera e se choca contra a superfície do planeta. Uma potente onda de choque propaga-se pelo ar comunicando dessa experiência singular, expande-se até envolver todo o planeta. Reflete na parede interna da atmosfera e reverbera sob o planeta, até penetrar o seu amago. Enfim, desencadeia o milagre da ativação de uma simples, mas longuíssima cadeia dupla de ácidos desoxirribonucleicos. A vida é mesmo coisa que vem de antes. Mas esta é apenas a minha primeira (in)consciência.

Fato é que eu fui aprisionado nessa minha primeira (in)consciência e desenvolvi-me, então, por aquelas paragens férteis, macias e amorosas ao extremo. Não sei precisar o tempo. Percebia o pulsar de um ritmo cadenciado. Às vezes sessenta, com média entre oitenta e noventa, até um máximo de cento e setenta batimentos por minuto. Mas eu não trazia comigo um relógio, logo essa é uma suposição, apenas. Mas recordo-me, certamente, de sístoles e de diástoles que, como a seca e a cheia das marés, insistiam em nutrir-me com aquele seu amor incondicional. Eu respondia numa frequência mais elevada, mas com intensidade muitíssimo inferior àquela da fonte. Éramos, logo, um sistema harmônico, porém não exatamente ressonante.

Assim, eu fui crescendo e “ganhando corpo” em consciência e organização. Especializei-me em múltiplas e diferenciadas habilidades (in)conscientes, mimetizando o comportamento desse meu criador silencioso, que velava incessantemente por mim. Por essa época eu fui muito feliz; crescia com vigor e intensidade exponenciais à passagem do tempo; como eu intuía que fosse também o desejo de meu criador. Mas, passado algum tempo – que eu saberia depois, noutra vida, ser aquele o intervalo entre cinco ou seis meses – começamos a nos desentender.

Aquele “mundinho” parecia-me, então, muito pequeno e apertado. Havia uma desagradável pressão à qual eu era submetido. Quase impossível resistir. O meu pulso insistia em bater forte, mais forte, e ainda mais forte, por vontade de minha própria (in)consciência. Por vezes, havia o batimento dessas duas frequências; aquela menor e mais forte em intensidade, com (ou contra) aquela outra mais alta, porém mais fraca, que era a minha. Dias, semanas, meses de uma verdadeira “montanha russa de sentimentos”, advinda de interferências positivas e negativas de ondas. Picos e vales.

Achei que eu fosse sucumbir ante a tensão desoladora, que eu fosse mesmo morrer. E, quando esse sentimento era quase uma certeza: Eu nasci. Envolveu-me carinhosamente em seus braços e deu-me de mamar, a minha mãe. Era risível a sensação e o alívio após tão grande equívoco. Prevaleceu-me a impressão de que a vida estava apenas começando.

Mais tarde, nos meus anos de estudo em filosofia – após a preleção inspiradora daquele que foi um de meus maiores mestres – cheguei a imaginar que Platão esquecera-se de mencionar no simbólico Mito da Caverna; descrito no Livro VII de A República; que Sócrates, Glauco e Adimanto foram irmãos gêmeos univitelinos. E isso explicaria a impossibilidade do retorno à caverna.

Mas eu sabia que tal comentário poderia soar simplista e pejorativo, a ponto de desapontar sobremaneira o mestre, que encerrou a aula daquele dia exatamente com estas palavras: “Na alegoria, o Sol representa a Ideia do Bem, citada anteriormente em A República como sendo o conhecimento máximo que, quando vista, deve nos levar à conclusão de que esta é de fato a causa de todas as coisas, de tudo que tem de correto (orthós) e belo (kálos), dando à luz no mundo visível para a luz, e mestra da luz, a si mesma no mundo inteligível fonte autêntica da verdade (aletheia) e razão (nous), e qualquer um que agir sabiamente em particular ou público deve tomar vista disso”.

Porém, hoje – velho, decrépito e em estado terminal – prevaleceu-me a impressão de que a vida estava escorrendo através dos vãos de meus dedos, como os grãos de areia de uma ampulheta. E, agora, eu percebo que andei redondamente enganado. Só o bullying educa verdadeiramente! Por que eu não disse aquilo ao meu mestre quando eu pude? Sobreveio a dúvida.

O equipamento foi desligado. Encerra-se o teatro (ao menos este ato da peça). Sou uma luz que ascende, mas não há palmas no rio da vida. “Sim; Sócrates, Glauco e Adimanto foram irmãos gêmeos univitelinos”, sussurram-me aos meus ouvidos. E ainda: “Rien ne se perd, rien ne se crée, tout se transforme.”