Ela existe

outubro 18, 2010

ela existe

outro dia mesmo desfilava os pés macios

chega dengosa

o quotidiano que dá vida aos ensinamentos

do carinho por vir

toma o seu banho de estrelas

para o brilho

minha bruxa

vem receber

rodeada de vida

o satélite que tempera e dá sabor às marés

entre os seus cabelos selvagens caracóis

água salgada a banhar-te voluptuosa

ao luar lança o brilho dos seus lindos olhos

ante as visões de uma inteligência intangível

flores que hão de desabrochar na primavera

permeia as nuvens com esse espectro da existência

e faz do seu perfume veículo do desejo

dentro da mente naquele campo das idéias

sintoniza a freqüência do bem

desaparecerão em minúsculas as frustrações

meu amor

tão logo

de mãos dadas

transpusermos o sol

Manchas em roupas

outubro 13, 2010

Fitava o sol com os seus olhos semicerrados. Os malditos já deviam ter levantado hora dessas. Não faziam idéia que em seus afazeres, vãos, cediam ante a inércia das contrariedades e dos percalços. Mazela do preconceito infundado e da subserviência.

Desde o princípio haviam se comportado como uma corja de puxa-sacos. Ele, por outro lado, tinha tudo planejado de véspera. E quando levantou pôs a jaqueta de velino preto, que fora de seu pai, já falecido. Observou as últimas estrelas desvanecerem próximo à linha do horizonte, agora sob o brilho da aurora.

As coisas mudam de lugar. As necessidades mudam de ordem. Permutam para o deleite da imaginação. Assim como não fora ontem, nada haveria de ser dito hoje.

Como as cores tragam num torvelino de claridade as paredes rústicas e lúgubres do casebre caboclo, Wanderley tomou numa das mãos a xícara com o seu conteúdo à fervura de outras idéias. Chá de cadeira aos que lembram as histórias de cor.

Manchas de sangue sobre as calças.

Não teria em sua cabeça um só minuto de paz daqui pra frente. Ele sabia disso. A culpa tinha dominado enfim. Permeava os seus miolos o peso do imponderável. Maculava a sua consciência com o sangue amargo de vingança. Wanderley havia cedido ao instinto assassino.

O semblante amargurado logo deu lugar àquele velho sorriso sagaz e tímido. Verde. Ora imperceptível. Ora cristalino como o de uma criança. Ele havia conseguido o que tanto queria. Fina ironia. Como bem sabem os bancos das praças sobre os quais cagam os pombos: certo como a gravidade eles hão de cair. Já não podia deixar de ser assassino. O dia só começando. Muito trabalho pela frente.