Mergulha um dia desses

janeiro 28, 2009

a psicodélica e os movimentos

culturais estetas

entre tantos os atributos

espantam a feiúra das idéias

avaliam pelo parque

os governantes persas

almirantes planejam novas cruzadas

em tais e quais coordenadas

enquanto Você aí largada

movida dessa água de coco

toda noite adentro

espera as estrelas acordada

não deixa que eu me deite

vê atrás delas o plano traçado

na palma da mão há tempos

para Você e eu fugirmos

dissolvermos no mar quente

Onze de Janeiro. Jacinto adentra o boteco e pede uma dose de aguardente. Vira de um gole só. Um raio parte ao meio sua espinha cervical; estremece todo o corpo. Diz que lhe desceu atravessado.

 

Dezessete de Janeiro. Julia é determinada e trabalhadora. Funcionária de uma fábrica de macarrão. Seu filho, Denis, um garoto de seis anos, passa suas tardes entretido pelo vídeo game de última geração.

 

Vinte e seis de Janeiro. Talita brinca de boneca. Ela tem sete anos. Adora cantar. Curte a música moderna do início do terceiro milênio. Augusto é o nome de seu pai. Tipo bigodudo e tal; doutor da Lei.

 

Segundo dia de Fevereiro. “Existe a capacidade de construção anterior da realidade. É claro que a velocidade de colapso para a realização é lenta. Uma espécie de cristalização que se dá a partir do pensamento concentrado. É preciso muita determinação. Enfim, é possível, ao menos, colaborar com aquilo que vem por aí.” Escreve doutor Augusto na agenda reles de borracharia vagabunda. Foto de mulher pelada no canto inferior direito de cada página. Entre uma consulta e outra; no escritório onde exerce o trabalho de advogado.

 

Lua cheia ao nono dia de Fevereiro. Curva à esquerda; curva à direita; aceleração máxima na reta; ultrapassagem arrojada da moto pilotada pelos fantasmas risonhos; cruza em primeiro lugar a linha de chegada. Denis brinca no quarto. Luzes apagadas para potencializar o efeito visual da parafernália de imagens. Volume máximo do som. Noutro canto, Julia dá duro no controle de qualidade dos setores de embalagem e processamento da massa; nas mais diversas formas. Sai do serviço. Ela pára no estabelecimento a caminho de casa. Pede um refrigerante de limão. Recebe um confeito de hortelã, que é dado como parte do troco para o refresco. Julia vê graça na menina Talita bancando a dançarina no saguão da panificadora. Ela presenteia a pequena com a bala de hortelã. Talita toma o automóvel de volta para casa; com seu pai ao volante. Doutor Augusto e Julia não se vêem.

 

Dezesseis de Fevereiro. Chove o dia todo. A cidade imersa num sono profundo. É tarde da noite. Jacinto, bêbado de bar, envolto em conversa circular com os seus comparsas. Infinita de tão absurda. Sem sentido. Sonha o vídeo game do futuro em sua mente – Denis dorme tranqüilo.

 

Vinte e quatro de Fevereiro: Carnaval. As pessoas já não cheiram mais do lança perfume. Uns partiram (morreram); é fato. Mas outros tantos (absoluta maioria) se divertiram para caralho. Jacinto pede uma dose da aguardente. Como naquele musical com Toquinho, Vinícius, Miucha e Jobim. Gravado para a apresentação da tv italiana em 1978. Ninguém entende o velho sentado no meio do palco. Garrafa de whiskey sobre a mesa. Velho maluco saravá. “Carnaval, beijo na boca, delícia e paixão…”

 

http://www.youtube.com/watch?v=jIRkCwqa4Kk

 

Quatro de Março. Denis ganha de Julia um saco com doces de banana, acondicionados em papel, no formato de bala. “Será que é possível, então, exercer a co-autoria da própria existência (mentalização anterior para a precipitação da realidade)?” Julia toma nota. Caderno de propaganda da fábrica de macarrão. Massa nas mais diversas formas.

 

Dez de Março. Talita e Denis conversam durante o recreio na escola. “Minha bala de hortelã por uma das suas de banana.” Troca de confeitos entre os meninos. Julia e Doutor Augusto não se encontram.

 

Dezoito de Março. As especulações todas erradas. A realidade, ora, é a realidade. As linhas à palma da mão do destino. Sempre pronta para tomar às rédeas o controle da situação. Jacinto vira de um gole só o pequeno recipiente com a aguardente. O que mais esperar da vida?

 

Vinte e seis de Março. Doces só para as crianças. (Sacou?) Aguarde sua vez.

Armadilhas para panteras

janeiro 4, 2009

Bem, inicialmente é preciso mencionar que Panthera diz respeito a um gênero da família dos Felidae. Este é o gênero de aproximadamente metade das espécies da sub-família dos Pantherinae; e caracteriza aqueles animais cuja modificação no osso hióide lhes confere a capacidade de rugir. A palavra pantera é usada, portanto, para designar os grandes felinos.

 

Devido à pujança da pantera, há tempos a caça deste gênero animal exerce um fascínio singular ao ser humano. Resulta daí o clássico problema caça-predador, objeto de estudo de inúmeros pesquisadores.

 

Minha primeira armadilha para a caça da pantera era baseada numa abordagem indireta para a solução do problema. Foi quando desenvolvi as funções matemáticas de forma ortogonais, linearmente independentes, cujas variáveis representavam o espaço e o tempo para que pudessem ser mapeados os movimentos da pantera. Pensava, naquela época, que a utilização das equações da cinemática e da dinâmica multi-corpos aplicadas aos mecanismos de locomoção animal permitiriam o rastreamento da pantera, valendo-se da crescente capacidade de processamento dos computadores.

 

Tenho de admitir a grande dificuldade enfrentada na definição clara das condições de contorno adequadas ao problema, dada à fluidez dos movimentos da pantera, e também às mudanças bruscas (não-linearidades intrínsecas) do seu comportamento. Cheguei até a implementar um modelo que tratava a caça da pantera como um problema acoplado fluido-estrutura; incluindo os efeitos de interação do fluxo de ar da floresta nos movimentos da pantera através das equações de Navier-Stokes. Mas seria significante a influência dos equinócios? E como considerar este dentre outros efeitos gravitacionais dos corpos celestes no modelo original para o rastreamento da pantera?

 

Com todas estas questões abertas decidi pela mudança de abordagem – excessivamente teórica – para uma experiência objetiva de caça à pantera. Foi resultado deste segundo intento o projeto e a construção de uma zarabatana; a qual disparava o projétil sonífero e dosado para o repouso da fera. Capturada a pantera, acolhi-a em uma jaula confortável, com abundância de água e alimento.

 

Para minha surpresa, observei o comportamento insone da presa após o recobrar dos sentidos (que não eram os seus). O corpo físico da pantera estava lá. Também o seu corpo vital. Mas no que pensava a fera? Quais os efeitos sobre o seu corpo mental? Com o passar do tempo, seu corpo supra-mental – aquele que promove a integração dos contextos emaranhados – sentia os limites obtusos impostos pela restrição da liberdade e a pantera apresentou significativa redução do seu chi. Soltei a pantera. E ficou provado que, neste caso, a observação afetara a medida.

 

Depois de muito tempo intui que a caça de “toda a pantera” deve garantir a integridade dos seus corpos físico, vital, mental, supra-mental e sutil. Por isso eu trabalhei com os materiais simples: estas pedras rolantes dos leitos de cachoeiras; algumas folhas dos arbustos rasteiros, sobre as quais repousavam o orvalho da manhã; gravetos de outras árvores frondosas e centenárias. Tudo isto temperado pelo banho da lua cheia; ao longo de sete noites consecutivas. Na manhã do dia seguinte à magia, fui até uma clareira da floresta; dispus os elementos em círculo, num arranjo intercalado; e me posicionei ao centro dele.

 

Com o sol a pino surgiu a pantera faminta. Desde então fixei os meus olhos nos olhos dela. Devagar ela veio entreolhando-me até que tocássemos as nossas frontes. Como resultado dos nossos aparelhos ópticos dispostos a uma distância cada vez menor; fitava os olhos da fera a se colapsarem num único olho ciclope. Dentro dele eu pude enxergar a mim mesmo: o caçador da pantera. Tal experiência remetia ao simbolismo do Yin-Yang.

 

Compreendi, naquele momento, que nossa natureza é Singular. Eu sou o caçador da pantera. E a pantera é o predador do homem. Ela só existe através da consciência do homem; ao passo que o homem resulta da experiência com a pantera; enquanto a realidade nada mais é senão o precipitar das nuvens de possibilidades infinitas desse encontro. Aquele que permite ao fluido realizar o ciclo da vida.

 

Enfim, como sou caçador (e não poeta), deixo para os artistas a demonstração de que armadilhas para panteras são marcos ao longo do caminho que leva ao encantamento.